quarta-feira, 28 de maio de 2025

Nostalgia 2025 - Instalando o MS-DOS no Proxmox!

 Pessoal,


Em 2018 comecei a primeira versão da série "Nostalgia", quando instalei o MS-DOS no VMWare (veja aqui o post). Em 2023, veio a segunda versão da série (aqui), quando usei o VirtualBox para criar as VM.

Na época, e ainda hoje, um problema sério era a falta de suporte para arquivos .img. no Proxmox (na verdade falta de suporte a imagens de disquete). Isso complica tudo!

Só que achei algo interessante: uma imagem .iso do MS-DOS 6.22! Acho que desta vez vai dar certo colocar tudo no Promox!

Mas antes de ligar a máquina virtual, vamos mergulhar fundo na história do Disk Operating System (DOS): como ele surgiu, por que dominou os anos 80 e 90, como evoluiu junto com o hardware, e como serviu de alicerce para o Windows 95. Vamos comparar o MS-DOS com seus predecessores (CP/M, Apple DOS, TRSDOS) e rivais (DR-DOS, ROM-DOS, PTS-DOS, FreeDOS), além de explorar o papel do DOSBox na preservação dessa era. No final, vou instalar o MS-DOS no Proxmox de duas formas diferentes. Prepare-se para um texto cheio de detalhes históricos, técnicos e memórias dos disquetes de 5.25 polegadas e do prompt C:\>!

Antes do DOS: O Caos da Computação Pessoal

Nos anos 1970, a computação pessoal era tudo mato um terreno selvagem, onde entusiastas e empresas lutavam para transformar microcomputadores em ferramentas acessíveis. Não havia um padrão universal: cada fabricante criava seu próprio sistema operacional, incompatível com os outros, resultando em um mercado fragmentado. Para entender o impacto do MS-DOS, precisamos conhecer os principais sistemas da época: CP/M, Apple DOS, TRSDOS, e outros.

CP/M: O Pioneiro dos 8 Bits

Lançado em 1974 por Gary Kildall, da Digital Research, o CP/M (Control Program for Microcomputers) foi o primeiro sistema operacional amplamente adotado para microcomputadores, rodando em processadores Intel 8080 e Zilog Z80. Sua arquitetura modular era composta por:

  • BIOS (Basic Input/Output System): Interface com o hardware (ex.: teclado, disquetes).
  • BDOS (Basic Disk Operating System): Gerenciava arquivos e discos.
  • CCP (Console Command Processor): Interpretava comandos do usuário, como DIR (listar arquivos) e PIP (copiar arquivos).
Olá, eu sou o CP/M-86!

Por que era poderoso? O CP/M era robusto para a época, suportando disquetes de 8 polegadas (capacidade de 90 a 243KB) e até 64KB de RAM, suficientes para rodar programas como WordStar (editor de texto), dBase (banco de dados) e SuperCalc (planilhas). Ele foi adotado por máquinas como o IMSAI 8080, Osborne 1 e Kaypro II, tornando-se o padrão para negócios e desenvolvedores.

Por que era flexível? Sua modularidade permitia adaptar o CP/M a diferentes hardwares com mudanças mínimas no BIOS, sendo fácil portá-lo entre máquinas de vários fabricantes. Isso era um avanço em relação a sistemas proprietários, que exigiam reescrita completa para cada hardware.

Limitações: O CP/M estava preso à arquitetura 8-bits, limitando-o a 64KB de RAM e sem suporte a discos rígidos. Seu sistema de arquivos (FAT8) era ineficiente para grandes capacidades, e a Digital Research cobrava royalties altos (cerca de US$ 240 por licença em 1980, ou US$ 858,24 em 2025, ajustado pelo CPI). Além disso, a falta de suporte gráfico e sonoro limitava seu apelo para jogos domésticos.

É até difícil achar alguma coisa sobre o FAT8. Veja essa discussão aqui, para terem uma ideia. Antes do MS-DOS, o FAT8 gerenciava disquetes de 64KB com apenas 8 bits por entrada, um feito de engenhosidade em Assembly!

Só para não esquecer: o computador queridinho deste blog (o MSX 😍), tinha sua própria versão de DOS (o MSX-DOS), feita entre a ASCII Corporation e a Microsoft, era derivado e compatível com o CP/M-80. Mas aqui, ao contrário do CP/M, usava-se FAT12 (MSX-DOS 1) e, posteriormente suporte a FAT13 (MSX-DOS 2)

Até sairam versões 16-bits para o CP/M (a versão CP/M-86), mas acordos entre a Microsoft e IBM (para que esta distribuísse o MS-DOS) e o alto custo do CP/M, resultaram na progressiva queda de significância do CP/M.

Apple DOS: O Favorito das Casas e Escolas


Lançado em 1978 para o Apple II, o Apple DOS foi projetado por Steve Wozniak e Randy Wigginton para atender usuários domésticos e educacionais [8]. Ele rodava no processador MOS 6502 (8 bits, 1 MHz) e usava disquetes de 5.25 polegadas (140KB).

Por que era poderoso? O Apple DOS aproveitava os recursos gráficos e sonoros do Apple II, que oferecia 16 cores e som mono, permitindo jogos como Choplifter e Lode Runner. Comandos como CATALOG (equivalente a DIR) e LOAD eram intuitivos, e o sistema era otimizado para o hardware do Apple II, garantindo desempenho estável. Essa é uma característica da Apple até os dias de hoje: hardware bom (mas não o melhor) rodando um SO incrivelmente otimizado para o hardware, tornando a experiência do utilizador a melhor possível!

Por que era flexível? Sua integração com o BASIC do Apple II permitia aos usuários criar programas simples, e o sistema era incluído gratuitamente (lembrem-se que não existe almoço grátis!!) com o Apple II, tornando-o acessível (o Apple II custava cerca de US$ 1.298 em 1978, ou US$ 6.050,13 em 2025). Ele suportava disquetes de 140KB, suficientes para a maioria dos aplicativos domésticos.

Limitações: O Apple DOS era exclusivo para máquinas Apple, com um sistema de arquivos proprietário que dificultava a troca de dados com outras plataformas. Não suportava discos rígidos até o ProDOS (1983), e sua dependência do hardware Apple limitava sua adoção em comparação com o CP/M.

TRSDOS e Outros Sistemas


O TRSDOS (Tandy Radio Shack Disk Operating System), lançado em 1978 para o TRS-80, era outro concorrente, projetado para o processador Z80 do TRS-80 Model I. Ele era simples, com comandos como DIR e COPY, mas voltado para o hardware da Tandy, com disquetes de 90KB. Sua principal vantagem era o preço acessível do TRS-80 (US$ 599 em 1978, ou US$ 2.794,05 em 2025), mas sua inflexibilidade (sistema proprietário, sem portabilidade) o restringia ao nicho da Radio Shack.

Outros sistemas incluíam o Commodore BASIC (para o PET, 1977) e o Atari DOS (para o Atari 400/800, 1979), cada um preso ao hardware do fabricante, com sistemas de arquivos incompatíveis e suporte limitado a softwares. Essa fragmentação criava um pesadelo para desenvolvedores, que precisavam reescrever programas para cada plataforma, preparando o terreno para o MS-DOS.

Como o DOS Surgiu: A Revolução da Microsoft

No final dos anos 1970, a IBM, líder em mainframes, decidiu entrar no mercado de computadores pessoais com o IBM PC 5150, planejado para lançamento em agosto de 1981.


A empresa precisava de um sistema operacional simples, confiável e compatível com o processador Intel 8088, um chip de 16 bits com barramento externo de 8 bits, capaz de endereçar até 1MB de RAM. A IBM inicialmente abordou a Digital Research, criadora do CP/M, para fornecer o sistema operacional. As negociações falharam por motivos variados: a Digital Research exigia royalties altos (cerca de US$ 240 por licença, ou US$ 858,24 em 2025), e Gary Kildall, seu fundador, hesitou em assinar o contrato de não divulgação da IBM. Há rumores de que Kildall estava voando em seu avião particular durante a visita da IBM, mas documentos publicados em dois livros (aqui e aqui) sugerem que a decisão foi mais financeira e estratégica.

Enquanto isso, a Microsoft, uma empresa pequena conhecida por vender interpretadores BASIC, viu uma oportunidade histórica. Em 1980, a Seattle Computer Products (SCP) havia desenvolvido o 86-DOS (ou QDOS, “Quick and Dirty Operating System”), um sistema inspirado no CP/M, mas projetado para processadores Intel 8086/8088. Criado por Tim Paterson, o 86-DOS emulava comandos do CP/M (como DIR e PIP) para facilitar a transição de desenvolvedores, mas aproveitava a arquitetura de 16 bits do 8088, suportando até 1MB de RAM e disquetes de 160KB [13]. A Microsoft, liderada por Bill Gates e Paul Allen, comprou os direitos do 86-DOS por US$ 50.000 em julho de 1981 (equivalente a US$ 175.907,04 em 2025, ajustado pelo CPI) sem informar à SCP que o sistema seria usado no IBM PC.

A Microsoft refinou o 86-DOS, renomeando-o como MS-DOS, e licenciou-o para a IBM como PC-DOS. Quando o IBM PC foi lançado em 1981, o PC-DOS 1.0 (idêntico ao MS-DOS 1.0) era o sistema operacional principal, vendido por US$ 40 (US$ 140,72 em 2025). A genialidade da Microsoft foi reter o direito de vender o MS-DOS para outros fabricantes, permitindo que clones do IBM PC (como Compaq, Dell e HP) adotassem o sistema, criando um padrão universal. O MS-DOS era voltado para empresas (para planilhas e bancos de dados), desenvolvedores (para criar softwares) e entusiastas (para jogos e programação). Sua simplicidade – um sistema de linha de comando que cabia em um disquete de 160KB – e a associação com a IBM tornaram-no um sucesso instantâneo.

Vantagens do MS-DOS Sobre os Predecessores

O MS-DOS superou o CP/M, Apple DOS e TRSDOS por várias razões, explicando sua maior flexibilidade e poder:

  • Flexibilidade:
    • Arquitetura de 16 bits: O MS-DOS usava o Intel 8088, que endereçava 1MB de RAM, contra os 64KB do CP/M (Z80) e Apple DOS (6502). Isso permitia rodar programas mais complexos, como Lotus 1-2-3, que exigia até 192KB.
    • Sistema de arquivos FAT12: Mais versátil que o FAT8 do CP/M, o FAT12 suportava disquetes de 160 a 360KB e, posteriormente, discos rígidos, enquanto o Apple DOS usava um sistema proprietário incompatível com outras plataformas (leia mais sobre sobre FAT e Sistemas de Arquivo).
    • Licenciamento acessível: A Microsoft licenciava o MS-DOS por cerca de US$ 2 a US$ 10 por cópia (US$ 7,04 a US$ 35,18 em 2025) para fabricantes de clones, contra os US$ 240 do CP/M. Isso tornou o MS-DOS o padrão em PCs baratos.
  • Poder:
    • Ecossistema de software: O sucesso do IBM PC atraiu desenvolvedores, que criaram programas como WordPerfect, dBase II e jogos como Flight Simulator. Em 1983, havia mais de 1.000 programas para MS-DOS, contra cerca de 500 para CP/M.
    • Suporte a hardware variado: O MS-DOS rodava em qualquer IBM PC ou clone, enquanto o Apple DOS era restrito ao Apple II, e o TRSDOS ao TRS-80. Isso ampliou seu alcance em empresas e lares.
    • Acesso direto ao hardware: Desenvolvedores podiam acessar diretamente a memória e os gráficos, permitindo jogos como King’s Quest (1984), algo que o CP/M não suportava bem devido à falta de gráficos avançados.
  • Credibilidade da IBM: A reputação da IBM, uma gigante confiável, deu ao MS-DOS uma vantagem sobre o CP/M (de uma empresa menor) e o Apple DOS (visto como “caseiro”).

A Evolução do MS-DOS: Um Casamento Perfeito com o Hardware

O MS-DOS evoluiu de 1981 a 1994, acompanhando os avanços em processadores, memória, armazenamento e periféricos. Cada versão foi projetada para aproveitar novos recursos, mantendo compatibilidade com softwares e hardware antigos. Vamos detalhar as versões principais e sua sincronia com o hardware:

  1. MS-DOS 1.0 (1981):

    • Hardware: IBM PC 5150 com Intel 8088 (4.77 MHz), 16-64KB de RAM, disquetes de 5.25 polegadas (160KB, face simples), monitores CGA (4 cores) ou monocromáticos.
    • Recursos: Suporte a disquetes de 160KB, comandos básicos (DIR, COPY, DEL, FORMAT), e sistema de arquivos FAT12. Sem suporte a discos rígidos ou diretórios.
    • Casamento com o hardware: O MS-DOS 1.0 era minimalista, ocupando menos de 12KB de RAM, ideal para os 16-64KB do IBM PC. O Intel 8088, com barramento de 8 bits, era perfeito para disquetes pequenos, e o suporte a CGA permitia gráficos rudimentares, como em Microsoft Adventure. A ausência de discos rígidos refletia o mercado de 1981, onde eles eram raros e caros (um HD de 5MB custava US$ 3.000, ou US$ 10.554,42 em 2025).

  1. MS-DOS 2.0 (1983):

    • Hardware: IBM PC/XT com Intel 8088 (4.77 MHz), até 256KB de RAM, disquetes de 360KB (face dupla), discos rígidos de 10MB, e placas de vídeo Hercules (monocromáticas de alta resolução).
    • Recursos: Suporte a discos rígidos (até 10MB), hierarquia de diretórios (MKDIR, RMDIR, PATH), e comandos inspirados no Unix, como TREE.
    • Casamento com o hardware: A chegada dos discos rígidos no PC/XT exigiu um FAT12 mais robusto, que suportava até 10MB. A hierarquia de diretórios facilitou a organização em HDs, e o aumento de RAM permitiu programas como Lotus 1-2-3 (192KB), que se tornou o aplicativo mais vendido de 1983. O suporte a Hercules permitiu gráficos monocromáticos de alta resolução, usados em softwares CAD.
  2. MS-DOS 3.0–3.3 (1984–1987):

    • Hardware: IBM PC/AT com Intel 80286 (6-8 MHz), até 1MB de RAM, disquetes de 1.2MB (alta densidade), discos rígidos de 20-40MB, placas EGA (16 cores), e primeiros mouses.
    • Recursos: Suporte a disquetes de 1.2MB, partições de até 32MB, internacionalização (teclados e idiomas), e comandos como FDISK aprimorado e SHARE (para redes).
    • Casamento com o hardware: O 80286 introduziu o modo protegido, mas o MS-DOS permaneceu em modo real (16 bits) para compatibilidade. O aumento de RAM e HDs exigiu melhorias no FAT12, e o suporte a EGA permitiu jogos como King’s Quest (1984) com gráficos coloridos. O MS-DOS 3.3, lançado em 1987, tornou-se o padrão para PCs corporativos, suportando os primeiros drivers de mouse e redes locais.
  3. MS-DOS 4.0–4.01 (1988):

    • Hardware: PCs com Intel 80386 (16-33 MHz), memória expandida/extendida (até 16MB), discos rígidos de 100MB+, placas VGA (256 cores), e primeiros drives de CD-ROM.
    • Recursos: Suporte a partições de até 2GB (FAT16), interface gráfica básica (MS-DOS Shell), e gerenciador de memória EMM386.
    • Casamento com o hardware: O 80386 trouxe memória extendida (acima de 1MB), e o MS-DOS 4.0 introduziu ferramentas para acessá-la, essenciais para programas como AutoCAD. O suporte a VGA permitiu jogos como Prince of Persia (1989) com gráficos detalhados. O MS-DOS 4.0 teve bugs (especialmente no gerenciamento de memória), levando ao rápido lançamento do 4.01.
  4. MS-DOS 5.0 (1991):

    • Hardware: PCs 386/486 com 4-16MB de RAM, discos rígidos de 200MB+, drives de CD-ROM, placas de som Sound Blaster, e monitores VGA/SVGA.
    • Recursos: Editor de texto EDIT, gerenciador de memória HIMEM.SYS, suporte a drivers de CD-ROM e mouse, e comando UNDELETE.
    • Casamento com o hardware: O aumento de RAM e a popularidade dos 486 exigiram melhor gerenciamento de memória. O HIMEM.SYS acessava memória extendida, enquanto o EMM386 liberava os 640KB convencionais para jogos como Doom (1993). O suporte a CD-ROMs refletiu a adoção de mídias ópticas (um CD de 650MB custava US$ 10, ou US$ 22,31 em 2025).
  5. MS-DOS 6.0–6.22 (1993–1994):

    • Hardware: PCs 486/Pentium (33-100 MHz), 8-32MB de RAM, discos rígidos de 500MB-1GB, placas de som Gravis UltraSound, monitores SVGA (800x600), e redes Ethernet.
    • Recursos: Ferramentas como SCANDISK, DEFRAG, compressão de disco (DoubleSpace/DriveSpace), suporte a redes avançado, e MSBACKUP.
    • Casamento com o hardware: O FAT16 otimizado suportava partições de 2GB, e a compressão de disco dobrava a capacidade efetiva, crucial quando HDs de 1GB custavam US$ 1.000 (US$ 2.231,39 em 2025). O suporte a SVGA e placas de som permitiu jogos como Wolfenstein 3D (1992) e Star Wars: X-Wing (1993) com gráficos e áudio imersivos. O MS-DOS 6.22, lançado em 1994, corrigiu bugs do DoubleSpace, tornando-se a versão mais estável e icônica.


O Papel do MS-DOS no Windows 95

O Windows 95, lançado em agosto de 1995, revolucionou a computação com sua interface gráfica (revolucionou mais ou menos, né? Porque o Xerox Alto e o Apple Lisa já tinham interface gráfica há mais de 10 anos...), mas dependia profundamente do MS-DOS 7.0 como base. Aqui está como essa relação funcionava:

  • Inicialização: O Windows 95 usava o MS-DOS 7.0 para carregar drivers essenciais (HIMEM.SYS, EMM386) e o kernel gráfico. O arquivo IO.SYS gerenciava o boot, e o COMMAND.COM oferecia o prompt de comando.
  • Compatibilidade: Programas MS-DOS rodavam em máquinas virtuais (VMs) dentro do Windows, garantindo compatibilidade com jogos (Doom) e softwares legados (Lotus 1-2-3). O “Modo MS-DOS” permitia reiniciar sem a interface gráfica para programas que exigiam acesso direto ao hardware.
  • Sistema de arquivos: O Windows 95 usava o FAT16 do MS-DOS, com suporte ao FAT32 a partir do OSR2 (1996), permitindo partições de até 2TB.
  • Gerenciamento de memória: O MS-DOS 7.0 otimizava os 640KB convencionais, liberando espaço para programas DOS executados em janelas. O Windows 95 também introduziu o modo protegido de 32 bits para novos aplicativos, mas mantinha o modo real de 16 bits para compatibilidade com MS-DOS.

Essa dependência garantiu uma transição suave, mas trouxe instabilidade: travamentos eram comuns devido à base de 16 bits. O Windows NT (1993), que não usava MS-DOS, era mais estável, mas menos popular por falta de compatibilidade com jogos DOS. O MS-DOS permaneceu até o Windows 98 SE (MS-DOS 7.1), sendo eliminado no Windows Me (2000).

Vamos falar mais do Windows 95 em um post futuro, sobre a instalação dele no Proxmox.

Outros Sabores de DOS: Um Mergulho Profundo

Além do MS-DOS, várias variantes do DOS surgiram, cada uma com nichos específicos e inovações. Vamos explorar em detalhes:

  1. DR-DOS (Digital Research, 1988):

    • História: Desenvolvido por Gary Kildall como sucessor do CP/M, o DR-DOS competiu diretamente com o MS-DOS. Após a Digital Research perder o contrato com a IBM, o DR-DOS foi lançado para PCs compatíveis. Comprado pela Novell em 1991 e pela Caldera em 1996, foi usado em disputas legais contra a Microsoft por práticas anticompetitivas.
    • Recursos: Suporte a partições de 2GB (FAT16), gerenciamento de memória eficiente (usava apenas 36KB dos 640KB convencionais), multitarefa básica, e interface gráfica (ViewMAX). Incluía comandos avançados como XCOPY otimizado e DISKMAP.
    • Vantagens: Mais eficiente que o MS-DOS em memória, permitindo rodar programas como WordPerfect em máquinas com 512KB. Suportava redes locais e era mais barato (US$ 99 por licença em 1990, ou US$ 231,67 em 2025). O DR-DOS 6.0 (1991) rivalizava com o MS-DOS 5.0, com ferramentas como SuperStor para compressão de disco.
    • Desvantagens: Menor compatibilidade com softwares otimizados para MS-DOS (ex.: Wing Commander tinha problemas). A Microsoft usou táticas como mensagens de erro falsas no Windows 3.1 para desencorajar o uso do DR-DOS, levando a ações judiciais.
    • Contexto: O DR-DOS perdeu mercado com o domínio do Windows, mas foi usado em sistemas embarcados até os anos 2000.
  2. ROM-DOS (Datalight, 1989):

    • História: Criado pela Datalight para sistemas embarcados (ex.: caixas eletrônicos, PDAs, máquinas industriais), o ROM-DOS era armazenado em chips ROM, eliminando a necessidade de discos.
    • Recursos: Compacto (cabia em 64KB), suportava FAT12/FAT16, e incluía comandos básicos (DIR, COPY). Otimizado para hardware com 128KB de RAM e sem HD.
    • Vantagens: Leve e confiável, ideal para dispositivos críticos como monitores médicos. Usado no HP 200LX (US$ 549 em 1994, ou US$ 1.224,94 em 2025).
    • Desvantagens: Sem suporte a jogos ou softwares complexos, e falta de ferramentas gráficas. Não era voltado para PCs pessoais.
    • Contexto: Continua em uso em 2025 em sistemas embarcados, mas irrelevante para retrocomputação.
  3. PTS-DOS (PhysTechSoft, 1993):

    • História: Copiado Desenvolvido na Rússia durante a Guerra Fria, o PTS-DOS era uma alternativa acessível ao MS-DOS em mercados do leste europeu, onde softwares ocidentais eram caros ou restritos.
    • Recursos: Compatibilidade com MS-DOS, suporte a cirílico, ferramentas de diagnóstico (ex.: CHECKDISK), e FAT16 para partições de 2GB.
    • Vantagens: Suporte nativo a idiomas eslavos, preço baixo (cerca de US$ 50 em 1993, ou US$ 111,57 em 2025), e distribuição local em PCs russos como o Iskra.
    • Desvantagens: Pouca adoção global, documentação limitada em inglês, e suporte inferior a softwares populares.
    • Contexto: Usado em escolas e empresas russas, foi superado pelo Windows 95 e FreeDOS.
  4. FreeDOS (1994–presente):

    • História: Iniciado por Jim Hall em 1994 como uma resposta open-source ao abandono do MS-DOS pela Microsoft, o FreeDOS é mantido por uma comunidade ativa.
    • Recursos: Suporte a FAT12/FAT16/FAT32, USB, redes modernas, e ferramentas como FDISK, EDIT, DEBUG. Inclui um gerenciador de pacotes e drivers atualizados.
    • Vantagens: Gratuito, compatível com hardware moderno (ex.: SSDs, CPUs de 64 bits), e roda a maioria dos programas MS-DOS. Usado por fabricantes como Dell para ferramentas de diagnóstico. A versão 1.3 (2022) trouxe suporte a Wi-Fi.
    • Desvantagens: Configurações manuais para jogos antigos podem ser necessárias, e ferramentas como SCANDISK são menos polidas que as do MS-DOS 6.22.
    • Contexto: Popular entre entusiastas de retrocomputação e em sistemas embarcados, o FreeDOS é a escolha moderna para rodar MS-DOS em 2025.

Comparação com MS-DOS 6.22: O MS-DOS 6.22 era otimizado para PCs dos anos 90, com ferramentas robustas e ampla compatibilidade. O DR-DOS era superior em memória, mas menos compatível. ROM-DOS e PTS-DOS eram nichados, enquanto o FreeDOS brilha hoje por sua flexibilidade e suporte moderno, mas não tem o charme “original” do MS-DOS 6.22.

DOSBox: O Guardião da Nostalgia

Com PCs modernos (64 bits, Windows XP em diante), rodar programas MS-DOS tornou-se difícil devido à falta de suporte ao modo real e velocidades de CPU incompatíveis. O DOSBox, lançado em 2002, emula um ambiente MS-DOS em sistemas modernos (Windows, Linux, macOS).

Como o DOSBox Funciona?

  • Escrito em C++, emula um PC 386/486 com gráficos CGA/VGA, som Sound Blaster, e modems virtuais.
  • Ajusta a velocidade da CPU (via “cycles”) para jogos como Wolfenstein 3D rodarem corretamente.
  • Configuração simples: MOUNT C ~/dosgames cria um disco virtual, e comandos como DIR funcionam como no MS-DOS.
  • Baixe o DOSBox aqui e teste-o!

MS-DOS 6.22 vs. DOSBox

  • MS-DOS 6.22:
    • Prós: Experiência autêntica, com configuração manual de AUTOEXEC.BAT e CONFIG.SYS. Seria o ideal para VMs como Proxmox caso houvesse suporte a disquetes (tem como contornar isso e é o que faremos a seguir). Suporta todos os programas e comandos da época.
    • Contras: Requer VM ou hardware antigo. Não suporta nativamente NTFS ou USB.
  • DOSBox:
    • Prós: Fácil de instalar, roda sem VM, e é otimizado para jogos (Doom, Monkey Island). Oferece save states e ajustes gráficos [31].
    • Contras: Não é um sistema operacional completo. Programas complexos (ex.: compiladores) podem falhar, e a experiência é menos “crua”.

Quando usar? MS-DOS 6.22 em uma VM para autenticidade; DOSBox para jogos rápidos sem configuração complexa.

Instalando o MS-DOS no Proxmox: Revivendo a Nostalgia

Agora que exploramos a saga do MS-DOS, vamos trazê-lo de volta à vida em 2025 com o Proxmox.

Como eu disse em um post passado (aqui), o Proxmox não tem suporte para "disquetes", quero dizer, suporte para arquivos de imagem tipo .img que são imagens de disquetes. Assim, não é possível instlar usando este tipo de arquivo. Ele tem suporte a CD/DVD, então aceita .iso (.img é um formato de arquivo de imagem de disco que pode representar vários tipos de mídia, inclusive disquetes, HDs, CD/DVDs; o .iso é um formato de imagem de disco óptico). Até achei este post no GitHub (e tem o vídeo del no YouTube), onde ele tem um arquivo .iso do MS-DOS 6.22 e termina instalando o Windows 3.11, mas meu objetivo é instalar tudo.

Então resolvi ousar: catei uns disquetes que tinha aqui em casa e ainda funcionavam, peguei um drive de disquete USB que tenho aqui, gravei os 4 discos do DOS nesses disquetes, coloquei o drive no USB do computador do Proxmox e pedi pra VM usar essa USB e... nada! Até imaginei que nao daria certo mesmo porque o DOS não tinha suporte a USB. Enfim, valeu a tentativa.

O que resolvi fazer? Duas coisas diferentes!

Primeira versão: achei esta imagem no Internet Archive que tem o DOS 6.22 com drivers para CD-ROM e mouse, ótima opção para rodar jogos de DOS! Foi só subir a iso pro Proxmox, criar a VM e correr pro abraço! A VM pra DOS e versões iniciais do Windows pode ser bem modesta. Teoricamente 100MB de HD é mais do que a gente tinha na época (acho que tamanho médio de 100MB foi aparecer no final dos anos 1980, 01GB no meio da década de 90, uns 10-15GB no final dos anos 1990, 01TB no final dos anos 2000 e a média atual deve ser de uns 2 a 4 TB). CPU de 1 core com 1 núcleo e 128MB eram coisa do futuro...

Segunda versão: instalei o MS-DOS 6.22 baixado no WinWorld (aqui) no VirtualBox, igualzinho eu tinha feito em 2023 (aqui). Para acrescentar algo diferente para esta instalação, resolvi instalar o "Supplemental Disk". Além de alguns drivers, trazia o DOS Shell, uma ferramenta da Microsoft para competir (e perder de longe) para o Norton Commander, o XTree e o DOS Navigator. Essas eram opções "gráficas" para os gerenciadores de arquivos da época. Para instalar os suplementos, basta para o drive a: e digitar: < setup c:\dos> (supondo que o DOS esteja instalado em c:\dos). Veja aqui mais detalhes, caso tenha alguma dúvida.

Se quiser aproveitar para configurar e otimizar seus arquivos "autoexec.bat" e "config.sys", veja aqui e aqui como!

Deixei 100MB para esta VM. Não que eu vá usar todo este espaço, mas esta VM será a base para todas as instalações até o Windows 95. Assim, vou deixar um pouco mais de espaço apenas por isso.

Agora, com a VM pronta e o disco virtual como sistema instalado, vamos passar para o Proxmox, conforme comentado neste post aqui!

O comando para retirar o disco da VM do VirtualBox e prepará-lo para o Proxmox é este abaixo:

# VBoxManage clonehd --format RAW "pasted\full\path\to.vdi" "pasted\full\path\to.raw"
Meu comando foi esse aqui:



 E aí foi gerado o arquivo "MS-DOS 6.22 VB.raw".

Criando uma VM no Proxmox

Bom, crie a sua VM normalmente com as características iguais à da VM que você criou no VirtualBox (memória, etc) para gerar o HD virtual.

Em "SO" escolha "Não usar qualquer mídia" e escolha o sistema operacional como "Outro". Em Discos, escolha qualquer um e dê um tamanho pequeno, de poucos MB (afinal, não iremos adicionar nada nesse HD e ele será apagado e substituído pelo que criamos). Finalize a VM mas não execute ainda.

Na VM recém criada, vá em Hardware, selecione o Disco Rígido e aperte "Desanexar". Selecione agora o "Disco não usado" e exclua-o clicando em "Remover".

Agora precisamos do Filezilla (ou equivalente) para copiar o HD em .raw para o Proxmox. Pode colocar em qualquer pasta que quiser (eu coloquei em var/lib). Depois de arrumar tudo, é só apagar.


Uma vez copiado (e localizado) o arquivo .raw, precisamos importar o arquivo para o Proxmox utilizando o comando "qm importdisk". Isso é feito no shell do Proxmox. A sintaxe é assim:
# qm importdisk 106 MSDOS.raw VM --format qcow2
Se o seu disco de VM no Proxmox chamasse "Disco_Arquivo" e VM no Proxmox tive o número 171, seu comando seria: 
# qm importdisk 171 MSDOS.raw Disco_Arquivo --format qcow2
Você não precisa saber onde estão armazenadas as imagens. Basta saber o nome do disco (no meu caso é "VM-Disk" e o comando resolve tudo pra você. No final apareceu o arquivo "vm-103-disk-0", que é o arquivo que importamos.

Lá na sua VM no Proxmox vai agora apareceu um disco indicado como "Disco não usado 1". É esse disco "vm-103-disk-0.raw" que importamos.

Interessante que o Proxmox importou tudo, mas em RAW, não em QCOW2... Disse que não é suportado. Mas como importou o disco, vamos em frente!

Já estamos quase finalizando. Agora volte ao Proxmox, na sua VM e vá em Hardware e clique duas vezes no disco não utilizado e escolha "Adicionar". Agora vá em Opções e arraste o disco para o primeiro lugar na ordem do boot.

Pronto! Seu disco criado em .vdi no VirtualBox, foi convertido em .raw, enviado ao Proxmox usando o Filezilla, importado para a VM do Proxmox e a VM está funcionante!

Só usar agora!

Aí vem o segundo problema: o Proxmox não suporta som no "noVNC" mas suporta no "SPICE". Pra mim, o melhor é o Remote Desktop da Microsoft, mas o MS-DOS não tem suporte para ele (só em 1988, com o Windows NT 4.0, isso surgiu...). Bom, antes de continuar, melhor explicar o que é isso para vocês entenderem o tamanho do buraco do coelho...

noVNC (veja mais aqui e aqui), SPICE (veja aqui e aqui) e RDP (ou Remote Desktop Protocol, veja mais aqui) são tecnologias usadas para acesso remoto a desktops virtuais, mas com abordagens e finalidades distintas. Aqui está uma explicação resumida sobre os dois protocolos:

- noVNC: É uma ferramenta de código aberto que permite acessar máquinas virtuais ou desktops remotos diretamente de um navegador web, usando o protocolo VNC (Virtual Network Computing). Funciona via HTML5 e WebSocket, sem necessidade de instalar software adicional. É leve, ideal para acesso rápido em diferentes dispositivos, mas pode ter limitações em desempenho para aplicações gráficas pesadas; o Proxmox não possui suporte de áudio para o noVNC, ou seja, jogos sem música!

- SPICE (Simple Protocol for Independent Computing Environments): É um protocolo desenvolvido para oferecer acesso remoto a máquinas virtuais com foco em desempenho e experiência multimídia. Suporta gráficos 3D, áudio bidirecional, vídeo em alta qualidade e dispositivos USB redirecionados. É mais robusto que o noVNC, mas geralmente requer um cliente dedicado (como o Virt-Viewer) e é mais usado em ambientes de virtualização como KVM/QEMU.

- Microsoft Remote Desktop: Usa o protocolo RDP (Remote Desktop Protocol) para conectar-se a computadores Windows remotamente. Oferece uma experiência fluida com suporte a multimídia, redirecionamento de dispositivos e alta segurança. Requer um cliente (como o Microsoft Remote Desktop) ou suporte nativo no sistema operacional, sendo amplamente usado em ambientes corporativos Windows.

Então passei a ter mais um problema: como acessar remotamente a VM do MS-DOS com áudio e gráficos rápidos para pode jogar, por exemplo?

Nas versões anteriores da série Nostalgia, eu usei o VMWare (em 2019) e o VirtualBox (em 2023). Esses hipervisors permitem acesso remotamente pelo RDP, não que a VM suporte, mas o hipervisor suporta! E isso eu descobri apenas quando, depois de ter instalado o MS-DOS no Proxmox, fui pensar em como acessar remotamente.

Como expliquei acima, o noVNC e o RDP não são opções, sobrando apenas o SPICE.

Mas, meu caro, vai tentar instalar o SPICE no Mac (ou em qualquer SO, imagino). Confesso que depois de 2 dias tentando instalar, corrigindo dependências, aprendendo comandos do XQuartz e X11, eu arreguei e desisti. Como os jogos no MS-DOS e Windows até o 95 vão ser bem ocasionais, preferi instalar o DOS-Box X (veja aqui). Resolvi simplificar minha vida!

Lembrete para a continuação da série: como já sei que o Windows 1.04 não instala a partir do DOS 6.22, só a partir do DOS 5.0, já vou aproveitar e instalar aqui deste mesmo modo.

Conclusão: O Legado Eterno do DOS

O MS-DOS foi mais que um sistema operacional; foi o alicerce da revolução dos PCs, moldando como interagimos com tecnologia. Sua evolução acompanhou os saltos de hardware, desde disquetes de 160KB até discos rígidos de 1GB, e sua simplicidade abriu portas para programadores e jogadores. Como base do Windows 95, garantiu uma transição suave para a era gráfica, enquanto variantes como FreeDOS e o DOSBox mantêm sua chama acesa.

Por hoje é isso, pessoal!

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Dica jurídica: Buraco na Pista, Prejuízo no Bolso: Como Fazer o Responsável Pagar pelo Dano ao Seu Carro

Pessoal,

Vou comentar algo diferente aqui neste post! Sou daqui de BH e estou indignado com as ruas da cidade! É só cratera!! Assim, resolvi estudar um pouco esse assunto e pedi ajuda pro jurídico daqui do blog (e de casa) pra me ajudar a responsabilizar os responsáveis irresponsáveis! 😤

Imagine a cena: você está dirigindo, talvez ouvindo sua playlist favorita, quando, de repente, pum! Um buraco na rua estoura o pneu do seu carro ou danifica a suspensão. O susto é grande, o prejuízo maior ainda, e a pergunta que fica é: “Quem vai pagar por isso?” No Brasil, a boa notícia é que a lei está do seu lado. Se a má conservação de uma rua ou estrada causou o dano, você pode buscar indenização do responsável — seja a prefeitura, o governo estadual, a União ou uma concessionária de rodovia. Neste post, vou explicar, de forma bem clara e detalhada, quem é responsável, como você pode acionar a justiça, quais provas precisa reunir e o que os tribunais dizem sobre isso. Mesmo que você não seja advogado, vai entender tudo e sair pronto para correr atrás dos seus direitos! E se precisar de um advogado, procure minha esposa! :)

Quem é Responsável por Manter as Vias em Ordem?

No Brasil, a responsabilidade pela conservação de ruas e estradas depende do tipo de via. Vamos dividir isso em pedaços simples para não restar dúvidas:

  • Ruas e avenidas da cidade: Sabe aquele buraco na rua do seu bairro ou na avenida principal? A responsabilidade é da prefeitura [1]. As vias urbanas, como ruas e praças, devem ser mantidas pelo município, que precisa garantir pavimentação, sinalização e limpeza adequadas. Se a prefeitura falha nisso, ela pode ser responsabilizada.
  • Rodovias estaduais: Estradas como a SP-294 ou a MG-050 são de responsabilidade do governo estadual, geralmente geridas por órgãos como o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) [2]. Buracos ou falta de sinalização nessas vias? O estado é quem responde.
  • Rodovias federais: As famosas BRs, como a BR-101 ou a BR-116, são responsabilidade da União, geridas pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) [3]. Se a rodovia for pedagiada e operada por uma concessionária, como na Dutra, a responsabilidade pela manutenção recai sobre a empresa privada que administra a via [4].
  • Rodovias com pedágio: Quando você paga pedágio, espera uma estrada bem cuidada, certo? As concessionárias, como a CCR ou a EcoRodovias, têm o dever de manter a pista em boas condições. Se falharem, elas respondem pelos danos, com a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) fiscalizando [4].

Então, se o buraco, a falta de sinalização ou um obstáculo na pista causou dano ao seu carro, o primeiro passo é identificar quem é o responsável: prefeitura, estado, DNIT ou concessionária. Anote o local exato do incidente (rua, bairro, quilômetro da rodovia) para saber contra quem agir.

Por Que o Responsável Tem que Pagar?

A lei brasileira é bem clara: quem tem o dever de manter a via em condições seguras deve indenizar os prejuízos causados por sua omissão. Isso se chama responsabilidade objetiva, um termo jurídico que, em linguagem simples, significa: “Não importa se foi sem querer; se o buraco causou o dano, você paga” [1]. Vamos ver as principais leis que embasam isso:

  1. Constituição Federal, artigo 37, § 6º: Esse artigo diz que o poder público (municípios, estados ou União) e empresas que prestam serviços públicos (como concessionárias de rodovias) respondem pelos danos causados, mesmo sem intenção [1]. Por exemplo, se a prefeitura deixou um buraco sem sinalização e seu pneu estourou, ela não pode dizer que “não sabia” do problema.
  2. Código de Trânsito Brasileiro, artigo 1º, § 3º: Os órgãos responsáveis pelo trânsito, como prefeituras, DERs ou DNIT, têm a obrigação de garantir vias seguras. Se um buraco ou obstáculo sem sinalização causa um acidente, isso é considerado uma falha do poder público [5].
  3. Código Civil, artigos 186 e 927: Esses artigos dizem que quem causa dano por ação ou omissão (como não tapar um buraco) deve reparar o prejuízo. No caso das vias, a má conservação é uma omissão que gera responsabilidade [6].
  4. Código de Defesa do Consumidor, artigo 14: Se o dano acontece em uma rodovia pedagiada, a concessionária é vista como uma prestadora de serviço. Como você paga pedágio, ela tem o dever de oferecer uma pista segura. Se falhar, responde pelos danos [7].

Essas leis formam um escudo jurídico para proteger você, motorista, contra prejuízos causados por vias mal conservadas. É como se a lei dissesse: “Se o poder público ou a concessionária não fez o dever de casa, eles arcam com a conta.”

Como Entrar na Justiça? É Complicado?

Boa notícia: buscar seus direitos não é tão complicado quanto parece, e você pode fazer isso no Juizado Especial, que é um tribunal feito para resolver causas mais simples de forma rápida e acessível. Existem dois tipos de Juizado, dependendo de quem você vai processar:

  • Juizado Especial Cível (JEC): Ideal para ações contra concessionárias de rodovias pedagiadas. Se o dano for até 20 salários mínimos (R$ 33.880 em 2025, considerando o salário mínimo de R$ 1.694), você não precisa de advogado. Até 40 salários mínimos, um advogado é necessário [8].
  • Juizado Especial da Fazenda Pública: Usado para processar entes públicos (prefeituras, estados ou União/DNIT) em causas de até 60 salários mínimos (R$ 101.640 em 2025) [9]. Para valores menores, também não precisa de advogado.

O prazo para entrar com a ação é de 5 anos a partir da data do acidente [10]. Você pode pedir indenização por danos materiais (o custo do conserto do pneu, suspensão, etc.) e, em casos mais graves, danos morais (como abalo psicológico, mais comum em acidentes com lesões ou traumas significativos). No Juizado, o processo é simplificado: você apresenta suas provas, participa de uma audiência (onde pode haver um acordo), e o juiz decide.

Passo a Passo para Acionar o Juizado

  1. Identifique o responsável: Descubra se a via é municipal (prefeitura), estadual (DER), federal (DNIT) ou concessionada (empresa privada).
  2. Reúna as provas: Vamos falar disso em detalhes no próximo tópico.
  3. Vá ao Juizado: Leve suas provas ao Juizado Especial Cível (para concessionárias) ou da Fazenda Pública (para entes públicos). No Juizado, há atendentes que ajudam a redigir a petição inicial, que é o documento que explica o caso.
  4. Peça a indenização: Informe o valor do prejuízo com base nos orçamentos do conserto. Se houver danos morais (como em acidentes graves), mencione isso também, mas saiba que é mais difícil de conseguir.
  5. Aguarde a audiência: O Juizado marca uma audiência de conciliação. O responsável (prefeitura, DNIT, etc.) pode oferecer um acordo. Se não houver acordo, o juiz analisa as provas e dá a sentença.

O Que os Tribunais Já Decidiram?

Os tribunais brasileiros estão cheios de casos em que motoristas ganharam indenizações por danos causados por buracos ou má conservação. Isso reforça que, com as provas certas, você tem grandes chances de sucesso. Veja alguns exemplos reais:

  • Brasília (TJDFT, 2016): A concessionária da BR-040 foi condenada a pagar R$ 2.688,26 a um motorista cujo carro foi danificado por um pneu de caminhão na pista. A empresa não comprovou que fazia fiscalização regular, o que configurou omissão [11].
  • Santa Catarina (TJSC, 2017): Uma prefeitura foi obrigada a indenizar um motorista que caiu em uma cratera sem sinalização. O tribunal aplicou a responsabilidade objetiva, dizendo que o município falhou em manter a via segura [12].
  • Rio Grande do Norte (TJRN, 2009): A Prefeitura de Caicó indenizou um moto-taxista por danos causados por um buraco. O juiz destacou que a falta de sinalização foi decisiva para a condenação [13].
  • São Paulo (TRF3, 2016): O DNIT foi condenado a pagar danos materiais e morais por um acidente causado por um bueiro destampado na BR-381, sem sinalização adequada [14].

Esses casos mostram que os juízes costumam favorecer o motorista quando há provas claras do dano e da omissão do responsável. A chave é demonstrar que o buraco (ou outro problema) causou o prejuízo e que a via não estava bem sinalizada ou conservada.

Quais Provas Você Precisa Reunir?

Para ganhar a causa, você precisa convencer o juiz de três coisas: houve um dano (seu pneu furou, a suspensão quebrou), houve omissão (a via estava mal conservada) e o dano foi causado pela omissão (o buraco causou o prejuízo). Aqui está o que você deve juntar:

  1. Boletim de Ocorrência (BO): Vá à delegacia mais próxima logo após o acidente e registre o BO. Descreva o local exato (rua, bairro, quilômetro da rodovia), a data, a hora e como o dano aconteceu. O BO é uma prova oficial que dá peso à sua história.
  2. Fotos e vídeos: Tire fotos claras do buraco, da via sem sinalização e do dano ao seu carro (pneu furado, suspensão avariada, etc.). Se possível, use o celular para registrar a data e hora nas imagens. Vídeos mostrando o entorno ajudam a contextualizar.
  3. Testemunhas: Anote o nome, telefone e, se possível, peça um depoimento por escrito de quem viu o acidente ou conhece as condições ruins da via. Testemunhas podem fazer a diferença.
  4. Orçamentos de conserto: Peça três orçamentos de oficinas confiáveis para o reparo do carro. O juiz geralmente usa o menor valor como base para a indenização.
  5. Notas fiscais e recibos: Se você já pagou pelo conserto, guincho ou outro gasto relacionado (como táxi para voltar para casa), guarde os comprovantes. Eles mostram o tamanho do prejuízo.
  6. Laudo técnico (opcional): Em casos mais complexos, como danos graves à suspensão, um mecânico pode emitir um laudo confirmando que o problema foi causado pelo buraco.

Dica de Ouro: Aja Rápido!

Buracos podem ser tapados dias após o acidente, dificultando a prova. Tire fotos no local, registre o BO e colete testemunhas o mais rápido possível. Outra dica: mostre que você não causou o acidente. Por exemplo, se o juiz achar que você estava em alta velocidade, pode complicar a ação. Fotos de sinalização ausente ou testemunhas que confirmem sua condução cuidadosa ajudam a evitar isso.

Exemplos Práticos para Entender Melhor

Vamos imaginar dois cenários reais para você visualizar como agir:

  • Cenário 1: Buraco na rua do bairro
    Você está voltando do trabalho e cai em um buraco sem sinalização na rua principal do bairro. O pneu fura, e o conserto custa R$ 500. Você tira fotos do buraco e do pneu danificado, registra um BO na delegacia e pede três orçamentos (R$ 500, R$ 550 e R$ 600). Uma vizinha que viu o acidente concorda em testemunhar. Você vai ao Juizado Especial da Fazenda Pública, processa a prefeitura e, com base nas provas, o juiz manda o município pagar os R$ 500.

  • Cenário 2: Obstáculo em rodovia pedagiada
    Na BR-116, você bate em um objeto (como uma pedra) que não deveria estar na pista. A suspensão do carro é danificada, e o prejuízo é de R$ 2.000. Você registra o BO, tira fotos do objeto e da falta de sinalização, e coleta o contato de outro motorista que viu o acidente. No Juizado Especial Cível, você processa a concessionária. Com as provas, o juiz determina que a empresa pague o conserto.

Dicas Finais para Correr Atrás dos Seus Direitos

  • Não engula o prejuízo: Muitos motoristas pagam o conserto do próprio bolso, mas a lei garante seu direito à indenização. Não deixe passar!
  • Organize tudo: Provas bem apresentadas (fotos, BO, orçamentos) são a chave para convencer o juiz.
  • Considere um advogado: Para causas pequenas (até 20 salários mínimos), você pode ir sozinho ao Juizado. Para casos maiores ou mais complexos, um advogado pode ajudar.
  • Danos morais são mais difíceis: Se o acidente só danificou o carro, danos morais são raros. Eles são mais comuns em casos graves, como acidentes com lesões ou traumas.
  • Aja dentro do prazo: Você tem 5 anos para processar, mas quanto antes, melhor, para evitar que as provas sumam (como buracos tapados).

Buracos nas ruas e estradas não são só um transtorno — são uma falha de quem deveria cuidar das vias. Com as leis do seu lado e as provas certas, você pode recuperar o prejuízo e mostrar que o cidadão tem direitos. Já passou por uma situação assim? Conta nos comentários e compartilhe suas dicas!


Referências

  1. Constituição Federal do Brasil, artigo 37, § 6º, 1988.
  2. Constituição Federal do Brasil, artigo 21, 1988.
  3. Lei nº 10.233/2001, artigo 82, inciso IV.
  4. Lei nº 10.233/2001 (dispõe sobre a ANTT e concessionárias).
  5. Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997), artigo 1º, § 3º.
  6. Código Civil (Lei nº 10.406/2002), artigos 186 e 927.
  7. Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), artigo 14.
  8. Lei nº 9.099/1995 (dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis).
  9. Lei nº 12.153/2009 (dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública).
  10. Decreto nº 20.910/1932, artigo 1º-C.
  11. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), 3º Juizado Especial Cível, 2016.
  12. Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Apelação Cível nº 2009.044135-1, 2017.
  13. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), 2009.
  14. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), 2016.

domingo, 18 de maio de 2025

Por que 1 + 1 = 2?

Pessoal,

"1 + 1 = 2". Três símbolos que parecem tão óbvios quanto o sol nascer. Desde criança, aceitamos isso como uma verdade inquestionável, mas, como alguém que adora desmontar ideias até entender cada pequeno pedaço, comecei a me perguntar: por que isso é verdade? Essa pergunta, aparentemente trivial, é uma porta para um universo fascinante de lógica, matemática formal e reflexões filosóficas. Neste post, vou provar rigorosamente que 1 + 1 é igual a 2, usando os axiomas de Peano, a teoria dos conjuntos, demonstrações em bases numéricas (binária e hexadecimal) e explorando o que isso significa para nossa visão do mundo. Se você curte mergulhar fundo no "porquê" das coisas, pegue um café e vamos entender essa história!

A Intuição: Contando Maçãs

Antes de entrarmos na matemática pesada, vamos começar com a intuição que todos compartilhamos. Pego uma maçã, coloco outra ao lado: quantas tenho? Duas. Levanto um dedo, mostro mais um: dois dedos. Essa ideia de combinar uma unidade com outra e chamar o resultado de "2" é tão natural que parece não precisar de explicação. O "1" é uma unidade, o "+" é a ação de juntar, e o "2" é o nome do total. Mas essa intuição, por mais poderosa que seja, é apenas o começo. Para provar que 1 + 1 = 2 de verdade, precisamos de um sistema lógico que não dependa de maçãs ou dedos. Vamos construir isso agora.

A Matemática Formal: Os Axiomas de Peano

Para explicar por que 1 + 1 = 2 de forma incontestável, usamos os axiomas de Peano, um conjunto de regras que define os números naturais — o conjunto ℕ, que inclui 0, 1, 2, 3, … . Esses axiomas foram propostos por Giuseppe Peano, um matemático italiano do final do século XIX, conhecido por formalizar a matemática com precisão lógica, criando uma base sólida para a aritmética que usamos hoje. Seus axiomas são os alicerces da matemática dos números naturais.

"Ciao, sono Giuseppe Peano!"


Um axioma (do grego: axiosἄξιος, que significa digno ou válido) é uma proposição ou afirmação aceita como verdade sem necessidade de demonstração ou prova. É uma verdade fundamental, inquestionável, que serve como ponto de partida para a construção lógica de uma teoria ou sistema matemático. 

Na formulação clássica de Peano, há 9 axiomas, que cobrem a estrutura dos números naturais e as operações de adição e multiplicação. Algumas apresentações modernas reduzem isso a 5 axiomas, tratando adição e multiplicação como definições separadas, mas aqui seguiremos a versão completa com 9, que é mais abrangente e inclui tudo o que precisamos para entender 1 + 1 = 2. Vou tentar explorar cada axioma com detalhes, explicando seu significado, sua função e como ele contribui para a prova.

Axioma 1: Zero é um número natural

Enunciado: Existe um número natural chamado 0.

Explicação: Este axioma estabelece o ponto de partida da aritmética. O número 0 é o elemento inicial do conjunto ℕ, a partir do qual todos os outros números serão construídos. Pense no 0 como a "semente" da sequência dos números naturais. Sem esse axioma, não teríamos um começo definido, e a estrutura da aritmética desmoronaria. Para nossa prova de 1 + 1 = 2, o 0 é crucial porque ele aparece na definição de adição (como veremos nos axiomas 6 e 7).

Exemplo: Imagine que você está contando objetos, mas não tem nenhum. Esse "nenhum" é representado pelo 0, que é um número natural tão válido quanto 1 ou 2.

Axioma 2: O sucessor de um número natural é um número natural

Enunciado: Para todo número natural n, existe um sucessor S(n) que também é um número natural.

Explicação: Este axioma introduz a ideia de "próximo número". A função sucessor, S, pega um número e retorna o seguinte na sequência. Por exemplo, S(0) é 1, S(1) é 2, S(2) é 3, e assim por diante. Esse axioma garante que o conjunto ℕ é infinito, pois sempre podemos gerar um novo número aplicando S. Ele é essencial para definir os números 1 (S(0)) e 2 (S(S(0))) na nossa prova de 1 + 1 = 2, porque sem o sucessor, não teríamos como construir a sequência dos números naturais.

Exemplo: Se você tem 3 maçãs, o sucessor de 3 é 4, que representa o que você teria se adicionasse mais uma maçã. O axioma garante que esse "próximo número" sempre existe.

Axioma 3: Zero não é sucessor de nenhum número natural

Enunciado: Não existe nenhum número natural n tal que S(n) = 0.

Explicação: Este axioma estabelece que 0 é o "início" da sequência dos números naturais e não pode ser alcançado voltando de outro número. Em outras palavras, 0 é único porque não é o sucessor de ninguém. Isso impede que a sequência forme um "ciclo" (ex.: um número cujo sucessor fosse 0, voltando ao início). Para 1 + 1 = 2, esse axioma é importante porque garante que os números que construímos (S(0) = 1, S(S(0)) = 2) são distintos do 0 e formam uma progressão linear.

Exemplo: Imagine uma escada onde o degrau mais baixo é o 0. Não há degrau abaixo dele, porque nenhum número tem 0 como sucessor.

Axioma 4: Números distintos têm sucessores distintos

Enunciado: Se m ≠ n, então S(m) ≠ S(n) (ou, equivalentemente, se S(m) = S(n), então m = n).

Explicação: Este axioma garante que a função sucessor é injetiva, ou seja, cada número tem um sucessor único, e números diferentes não podem compartilhar o mesmo sucessor. Isso assegura que todos os números naturais são distintos: não há "colisões" na sequência 0, S(0), S(S(0)), … . Para nossa prova, esse axioma é crucial porque confirma que S(0) = 1 e S(S(0)) = 2 são números diferentes, e que a construção de 2 a partir de 1 é única.

Exemplo: Se você tem 5 maçãs e outra pessoa tem 6, os sucessores (6 e 7, respectivamente) são diferentes, porque 5 e 6 são distintos.

Axioma 5: Princípio da indução

Enunciado: Se um conjunto K contém 0 e, para todo n em K, contém S(n), então K contém todos os números naturais.

Explicação: Este axioma, conhecido como princípio da indução matemática, é o que permite generalizar propriedades para todos os números naturais. Ele diz que, se uma propriedade é verdadeira para 0 e, sempre que for verdadeira para um número n, também for verdadeira para o próximo número S(n), então ela vale para todo n ∈ ℕ. Esse axioma é como uma corrente infinita: se você segura o primeiro elo (0) e cada elo segura o próximo, você segura toda a corrente. Para 1 + 1 = 2, a indução é usada para garantir que a adição (definida nos axiomas 6 e 7) é consistente para todos os números, incluindo nossa soma específica.

Exemplo: Suponha que você quer provar que todos os números naturais são pares ou ímpares. Você verifica que 0 é par, e que, se n é par ou ímpar, S(n) alterna (par → ímpar, ímpar → par). Por indução, isso vale para todos.

Axioma 6: Adição com zero

Enunciado: Para todo número natural a, a + 0 = a.

Explicação: Este axioma define o comportamento da adição quando um dos operandos é 0. Ele estabelece que 0 é o elemento neutro da adição, ou seja, somar 0 a qualquer número não altera seu valor. Esse axioma é diretamente usado na prova de 1 + 1 = 2, como veremos, porque ele simplifica a soma quando encontramos um termo com 0 (ex.: S(0) + 0). Sem esse axioma, a adição não teria uma base para começar.

Exemplo: Se você tem 5 maçãs e não adiciona nenhuma (+ 0), continua com 5.

Axioma 7: Adição com sucessor

Enunciado: Para todos números naturais a e b, a + S(b) = S(a + b).

Explicação: Este axioma define a adição de forma recursiva. Ele diz que somar um número a ao sucessor de b é o mesmo que tomar o sucessor da soma de a com b. Esse axioma é o coração da nossa prova de 1 + 1 = 2, porque ele nos permite reduzir a soma 1 + 1 (que é S(0) + S(0)) a uma expressão envolvendo S(0) + 0, que o axioma 6 resolve. Ele também garante que a adição é consistente para números maiores.

Exemplo: Se você tem 3 maçãs e adiciona 4 (que é o sucessor de 3), isso é o mesmo que adicionar 3 a 3 e depois tomar o sucessor (6 + 1 = 7).

Axioma 8: Multiplicação com zero

Enunciado: Para todo número natural a, a × 0 = 0.

Explicação: Este axioma define o comportamento da multiplicação quando um dos operandos é 0. Ele estabelece que o produto de qualquer número por 0 é 0, o que é consistente com a ideia de que multiplicar por 0 equivale a "não contar nada". Embora a multiplicação não seja diretamente necessária para provar 1 + 1 = 2, esse axioma completa a estrutura da aritmética, mostrando como as operações se interligam. Ele também é importante para sistemas maiores que usam adição e multiplicação juntas.

Exemplo: Se você tem 5 caixas, mas cada uma contém 0 maçãs, o total é 0.

Axioma 9: Multiplicação com sucessor

Enunciado: Para todos números naturais a e b, a × S(b) = (a × b) + a.

Explicação: Este axioma define a multiplicação de forma recursiva. Ele diz que multiplicar a pelo sucessor de b é o mesmo que multiplicar a por b e depois adicionar a. Esse axioma completa a definição da multiplicação, tornando-a consistente com a adição. Embora não usemos multiplicação em 1 + 1 = 2, esse axioma é parte da visão completa de Peano, que queria uma aritmética totalmente formalizada.

Exemplo: Para calcular 3 × 4 (onde 4 = S(3)), temos 3 × S(3) = (3 × 3) + 3 = 9 + 3 = 12.

Provando 1 + 1 = 2

Agora, vamos usar os axiomas para provar que 1 + 1 = 2, passo a passo, com cada referência a um axioma explicada claramente para que você acompanhe sem precisar voltar:

  • Passo 1: Sabemos que 1 = S(0), onde S(0) é o sucessor de 0 (axioma 2 - sucessor de número natural, que garante que todo número natural tem um sucessor que também é um número natural). Portanto, 1 + 1 = S(0) + S(0), pois estamos somando dois números 1, cada um definido como S(0).
  • Passo 2: Aplicamos a definição de adição para S(0) + S(0). Pelo axioma 7 (adição com sucessor, que diz que para quaisquer a e b, a + S(b) = S(a + b)), temos que S(0) + S(0) = S(S(0) + 0). Aqui, a = S(0) e b = 0, então a soma S(0) + S(0) é o sucessor da soma S(0) + 0.
  • Passo 3: Agora, precisamos calcular S(0) + 0. Pelo axioma 6 (adição com zero, que estabelece que para todo a, a + 0 = a), temos que S(0) + 0 = S(0). Como S(0) é o número 1 (definido no passo 1), essa soma nos dá S(0) = 1.
  • Passo 4: Substituímos o resultado de volta na expressão do passo 2: S(S(0) + 0) = S(S(0)), pois S(0) + 0 = S(0). Agora, observamos que S(S(0)) é o sucessor de S(0) (axioma 2 - sucessor de número natural). Como S(0) = 1, temos S(S(0)) = S(1), que é o número 2, pois o sucessor de 1 é 2.
  • Passo 5: Portanto, 1 + 1 = S(0) + S(0) = S(S(0) + 0) = S(S(0)) = 2. O axioma 4 (números distintos têm sucessores distintos, que garante que se S(m) = S(n), então m = n) assegura que S(S(0)) = 2 é um número único, distinto de 0 e 1, confirmando que o resultado é exatamente o número 2.

Essa sequência de passos mostra que 1 + 1 = 2 segue diretamente dos axiomas de Peano, com cada etapa fundamentada em uma regra específica.

Consistência da Adição

Para garantir que a adição definida pelos axiomas 6 e 7 é válida para todos os números naturais, não apenas para 1 + 1, usamos o axioma 5 (princípio da indução, que diz que se uma propriedade é verdadeira para 0 e, se verdadeira para n, também é para S(n), então é verdadeira para todos os números naturais). Vamos verificar que a adição é bem definida por indução:

  • Caso base: Para o primeiro operando a = 0, precisamos verificar que a adição funciona para qualquer b.
    • Pelo axioma 6 (adição com zero, que diz a + 0 = a), temos 0 + 0 = 0, que está definido.
    • Pelo axioma 7 (adição com sucessor, que diz a + S(b) = S(a + b)), temos 0 + S(b) = S(0 + b). Isso depende de 0 + b estar definido, que verificaremos no passo indutivo.
  • Passo indutivo: Assumimos que a adição está definida para a = n (ou seja, n + b está definido para todo b). Agora, para a = S(n) (o sucessor de n, pelo axioma 2 - sucessor de número natural), verificamos:
    • Pelo axioma 6 (adição com zero), S(n) + 0 = S(n), que está definido.
    • Pelo axioma 7 (adição com sucessor), S(n) + S(b) = S(S(n) + b), que depende de S(n) + b estar definido. Como assumimos que n + b está definido para todo b, e S(n) + b segue pela recursão do axioma 7, a adição para S(n) também está definida.

Pelo axioma 5 (princípio da indução), como a adição está definida para a = 0 e, se definida para a = n, também está para a = S(n), ela está definida para todos os números naturais. Isso garante que nossa prova de 1 + 1 = 2 não é um caso isolado, mas parte de um sistema de adição consistente.

Por que Isso é Rigoroso?

Essa derivação é inquestionável porque:

  • Os axiomas 1–5 garantem que ℕ é uma estrutura bem definida, com números distintos (axioma 4 - números distintos têm sucessores distintos) e uma sequência infinita (axioma 2 - sucessor de número natural).
  • Os axiomas 6–7 definem a adição de forma recursiva, usando o sucessor, que é primitivo.
  • O axioma 5 (princípio da indução) assegura que a adição é consistente para todos os números.
  • Os axiomas 8–9, embora não usados diretamente, completam a aritmética.

Essa prova é como uma máquina lógica perfeita: cada peça se encaixa, e o resultado é inabalável. Mas há outra abordagem, ainda mais fundamental, que constrói os números do absoluto zero: a teoria dos conjuntos.

A Teoria dos Conjuntos: Números a Partir do Nada

A teoria dos conjuntos, desenvolvida por Georg Cantor e outros, é o alicerce da matemática moderna. Nela, tudo — incluindo os números — é definido como conjuntos, que são coleções de objetos (elementos). Essa abordagem nos permite construir os números naturais a partir do conjunto vazio, denotado ∅.

Definindo Números como Conjuntos

Na construção de von Neumann, os números naturais são:

  • 0 = ∅, o conjunto vazio, com zero elementos.
  • 1 = {∅}, o conjunto com o conjunto vazio, com um elemento.
  • 2 = {∅, {∅}}, o conjunto com os conjuntos de 0 e 1, com dois elementos.
  • 3 = {∅, {∅}, {∅, {∅}}}, com três elementos.
  • Em geral, n = {0, 1, 2, …, n-1}, um conjunto com n elementos.

O sucessor é S(n) = n ∪ {n}, alinhado com os axiomas de Peano.

Definindo a Adição

A adição usa a união disjunta. Para 1 + 1:

  • 1 = {∅}, cardinalidade 1.
  • Tomamos dois conjuntos disjuntos: A = {(0, ∅)} e B = {(1, ∅)}.
  • A união A ∪ B = {(0, ∅), (1, ∅)} tem cardinalidade 2, equivalente a 2 = {∅, {∅}}.

Por que Isso é Poderoso?

A teoria dos conjuntos reduz a aritmética a conjuntos e pertencimento, construindo números do "nada" (∅). Isso dá uma base universal para 1 + 1 = 2.

Demonstração em Outras Bases: Binária e Hexadecimal

A verdade de 1 + 1 = 2 é universal, mas sua representação varia por base.

Base Binária (Base 2)

Na base 2, dígitos são 0 e 1:

  • 0₁₀ = 0₂
  • 1₁₀ = 1₂
  • 2₁₀ = 10₂ (2 = 1 × 2¹ + 0 × 2⁰)
  • 1₂ + 1₂ = 10₂, que é 2₁₀.

Base Hexadecimal (Base 16)

Na base 16, dígitos vão de 0 a F:

  • 1₁₀ = 1₁₆
  • 2₁₀ = 2₁₆
  • 1₁₆ + 1₁₆ = 2₁₆, que é 2₁₀.

Generalização

Em qualquer base b ≥ 2, 1 + 1 = 2: 1₂ + 1₂ = 10₂, 1ᵦ + 1ᵦ = 2ᵦ para b ≥ 3.

Implicações Filosóficas: O que Significa "1 + 1 = 2"?

Provar que 1 + 1 = 2 é mais do que um exercício matemático — é uma janela para questões profundas sobre a natureza da verdade, da realidade e do conhecimento. Essa equação simples, que parece tão trivial, nos força a perguntar: por que ela é verdadeira, e o que isso diz sobre o mundo? Vamos explorar algumas perspectivas filosóficas que tornam essa reflexão tão fascinante.

Platonismo: Uma Verdade Cósmica

Imagine um mundo além do físico, onde ideias perfeitas existem eternamente. Para os platonistas, como Platão e o matemático Kurt Gödel, os números e suas propriedades habitam esse reino abstrato, independente de mentes humanas ou do universo material. Nesse sentido, 1 + 1 = 2 não é algo que inventamos, mas uma verdade que descobrimos. Os números 1 e 2, e a operação de adição, são como estrelas em um céu matemático, brilhando antes mesmo de olharmos para elas. Quando contamos duas maçãs ou observamos um sistema binário de estrelas, estamos apenas enxergando reflexos dessa realidade eterna.

Reflexão: Se 1 + 1 = 2 é uma lei cósmica, isso sugere que o universo tem uma ordem matemática intrínseca. Mas como acessamos esse mundo ideal? É como se nossa mente tivesse um passe VIP para um reino que não podemos tocar.

Formalismo: Um Jogo de Símbolos

Agora, imagine a matemática como um tabuleiro de xadrez, com regras criadas por nós. Para os formalistas, como David Hilbert, 1 + 1 = 2 é verdadeiro porque seguimos as regras dos axiomas de Peano ou da teoria dos conjuntos, como jogadores obedecendo as instruções de um jogo. A verdade não está em um mundo abstrato, mas na consistência do sistema. Curiosamente, em outros sistemas, como a aritmética modular (ex.: módulo 2), 1 + 1 = 0, mostrando que a "verdade" depende das regras que escolhemos.

Reflexão: Se 1 + 1 = 2 é apenas um resultado das nossas regras, por que esse "jogo" descreve o mundo tão bem? Será que criamos a matemática para espelhar a realidade, ou ela é só uma coincidência útil?

Intuicionismo: Uma Construção da Mente

Para os intuicionistas, como L.E.J. Brouwer, a matemática não existe fora da nossa mente. 1 + 1 = 2 é verdadeiro porque podemos construí-lo mentalmente: pegamos uma unidade, juntamos outra, e verificamos que o resultado é duas. A verdade matemática depende da nossa capacidade de imaginar e validar cada passo. Diferentemente do platonismo, que vê os números como entidades externas, o intuicionismo coloca a mente humana no centro, como a fonte de toda a matemática.

Reflexão: Se 1 + 1 = 2 é uma construção mental, isso significa que a matemática é subjetiva? Ou será que nossas mentes estão sintonizadas com uma lógica universal que compartilhamos?

A Misteriosa Eficácia da Matemática

Em 1960, o físico Eugene Wigner escreveu um artigo famoso, The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences, perguntando por que equações como 1 + 1 = 2 descrevem o mundo físico com tanta precisão. Por que, ao contar duas maçãs ou calcular a órbita de dois planetas, a matemática sempre acerta? Algumas possibilidades:

  • Evolução: Nossos cérebros evoluíram para perceber padrões que refletem a estrutura do universo, como a soma de unidades.
  • Ordem Cósmica: O universo pode ser inerentemente matemático, e 1 + 1 = 2 é uma lei tão fundamental quanto a gravidade.
  • Invenção Humana: Talvez a matemática seja uma ferramenta que moldamos para descrever o mundo, e sua eficácia é apenas um reflexo da nossa engenhosidade.

Reflexão: Quando usamos 1 + 1 = 2 para construir pontes ou enviar naves ao espaço, estamos descobrindo o universo ou apenas contando histórias que funcionam? Esse mistério é o que torna a matemática tão fascinante.

Limites da Certeza: Gödel e a Incompletude

Kurt Gödel, com seus teoremas da incompletude, jogou uma bomba na ideia de que podemos provar todas as verdades matemáticas. Ele mostrou que, em qualquer sistema formal complexo (como os axiomas de Peano), há afirmações verdadeiras que não podem ser provadas dentro do sistema. Embora 1 + 1 = 2 seja seguro nos axiomas de Peano, sua validade depende de aceitarmos esses axiomas como verdadeiros. Se mudarmos as regras, como na aritmética modular, o resultado pode ser diferente.

Reflexão: Se até uma verdade simples como 1 + 1 = 2 depende de premissas, será que existe alguma certeza absoluta? Ou estamos sempre construindo castelos sobre fundações que escolhemos acreditar?

Contexto Cultural: Uma Linguagem Universal?

A notação "1 + 1 = 2" é uma convenção ocidental, com símbolos árabes e sinais que evoluíram ao longo de séculos. Mas o conceito de combinar duas unidades é universal. Antigos egípcios, com hieróglifos, ou povos indígenas, com sistemas de contagem oral, chegavam ao mesmo resultado, mesmo sem nossos símbolos. Isso sugere que 1 + 1 = 2 transcende culturas, apontando para uma verdade que vai além da linguagem.

Reflexão: Se diferentes culturas convergem para 1 + 1 = 2, isso reforça a ideia de uma ordem universal ou apenas mostra que todos enfrentamos os mesmos problemas práticos, como contar maçãs?

Um Convite à Curiosidade

Essas reflexões mostram que 1 + 1 = 2 não é apenas uma equação — é um portal para questionar o que sabemos, o que criamos e o que existe além de nós. Para mim, apaixonado por desenterrar o "porquê" das coisas, essa mistura de lógica e filosofia é muito legal!

Provar que 1 + 1 = 2 é como escalar uma montanha: começamos com a intuição simples de contar maçãs, subimos pela lógica rigorosa dos axiomas de Peano, exploramos a fundação profunda da teoria dos conjuntos, e chegamos a vistas filosóficas que nos fazem repensar a realidade. Em bases binária ou hexadecimal, a verdade permanece, mas a escrita muda, mostrando a universalidade da matemática. Esse post é apenas para revelar a profundidade de uma pergunta aparentemente trivial.

Por enquanto é isso, pessoal!

Caso queira ver o trabalho original de Peano (Arithmetices principia, nova methodo exposita), basta clicar aqui!

Fontes: