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segunda-feira, 21 de abril de 2025

Programa Voyager

Pessoal,


Este post está prometido há um tempão e hoje eu vim pagar a promessa! Esta série das missões robóticas ao espaço começou lá em 2020 e são cinco missões no total. As duas primeiras, Ranger e Marine, estão aqui; as duas seguintes, Surveyor e Viking, estão aqui.


O "Planetary Grand Tour", com as duas sondas visitando os gigantes gasosos

Programa Voyager: Exploração Cósmica Sem Fronteiras

O Programa Voyager, conduzido pela NASA, é uma das façanhas mais extraordinárias da exploração espacial, com as sondas Voyager 1 e Voyager 2 redefinindo nosso entendimento do Sistema Solar e do espaço interestelar. Lançadas em 1977, essas espaçonaves aproveitaram um raro alinhamento planetário para visitar Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, e hoje continuam a operar como as únicas sondas no meio interestelar.

Criação e Objetivos do Programa Voyager

O Programa Voyager nasceu no final dos anos 1960, inspirado pela descoberta do engenheiro Gary Flandro, do Jet Propulsion Laboratory (JPL), de um alinhamento planetário raro, que ocorre a cada 175 anos. Esse alinhamento permitia que uma espaçonave visitasse Júpiter, Saturno, Urano e Netuno usando a assistência gravitacional, uma técnica que utiliza a gravidade planetária para impulsionar a trajetória, economizando combustível.


Inicialmente concebido como o "Planetary Grand Tour" (veja mais aqui), o programa foi reduzido por restrições orçamentárias, mas aprovado em 1972 com um orçamento de US$ 865 milhões, cobrindo construção, lançamento e operações até o encontro com Netuno, além de US$ 30 milhões para a Voyager Interstellar Mission (VIM).

Os objetivos primários eram:

  • Estudar os gigantes gasosos Júpiter e Saturno, suas atmosferas, campos magnéticos, sistemas de anéis e luas.

  • Explorar, se viável, os gigantes de gelo Urano e Netuno, até então pouco conhecidos.

  • Coletar dados sobre partículas, campos magnéticos e ondas no ambiente interplanetário.

  • Após os sobrevoos planetários, iniciar a VIM para estudar a heliosfera, a heliopausa e o meio interestelar, medindo as propriedades do espaço além da influência do Sol.

A decisão de lançar duas sondas foi estratégica, garantindo redundância contra falhas e permitindo trajetórias complementares para maximizar a cobertura científica. As Voyager foram construídas com base em tecnologias das missões Mariner e Viking, mas adaptadas com inovações específicas, como os RTGs e instrumentos otimizados para o espaço profundo.

Trajetórias das Sondas

As trajetórias das Voyager foram cuidadosamente planejadas para aproveitar o alinhamento planetário e otimizar os encontros planetários. Cada sonda seguiu um caminho distinto, conhecido como JST (Júpiter-Saturno-Titã) para Voyager 1 e JSX (Júpiter-Saturno-Urano-Netuno) para Voyager 2.

Decolagem do Titan III Centaur levando a Voyager 2, em 30/08/1977

  • Voyager 1:

    • Lançamento: 5 de setembro de 1977, a bordo de um foguete Titan IIIE-Centaur, a partir de Cabo Canaveral, Flórida.

    • Trajetória: Otimizada para sobrevoos rápidos de Júpiter (5 de março de 1979, a 349.000 km do planeta) e Saturno (12 de novembro de 1980, a 124.000 km), com ênfase no estudo de Titã, a maior lua de Saturno, devido à sua atmosfera densa. O sobrevoo de Titã, a 4.000 km, desviou a sonda para fora do plano da eclíptica, impossibilitando visitas a Urano e Netuno.

    • Pós-Saturno: Direcionada ao espaço interestelar, a Voyager 1 cruzou a heliopausa em 25 de agosto de 2012, a 121 unidades astronômicas (UA, ~18,1 bilhões de km) da Terra, tornando-se o primeiro objeto humano no meio interestelar. Em abril de 2025, está a 167,34 UA, movendo-se a 61.198 km/h em direção à constelação de Ofiúco.

    • Marco: Primeira sonda a alcançar o espaço interestelar.

  • Voyager 2:

    • Lançamento: 20 de agosto de 1977, também com um Titan IIIE-Centaur.

    • Trajetória: Visitou Júpiter (9 de julho de 1979, a 570.000 km), Saturno (25 de agosto de 1981, a 101.000 km), Urano (24 de janeiro de 1986, a 81.500 km) e Netuno (25 de agosto de 1989, a 4.800 km). A trajetória JSX foi ajustada após o sucesso da Voyager 1, permitindo a exploração dos gigantes de gelo.

    • Pós-Netuno: Seguiu para o espaço interestelar, cruzando a heliopausa em 5 de novembro de 2018, a 119 UA. Em 2025, está a 137 UA, movendo-se a 55.347 km/h em direção à constelação de Pavo.

    • Marco: Única sonda a visitar Urano e Netuno, completando o "Grand Tour".

As trajetórias foram ajustadas com propulsores de hidrazina, usando a assistência gravitacional para acelerar as sondas e direcioná-las aos alvos. Por exemplo, o sobrevoo de Júpiter aumentou a velocidade da Voyager 1 em 16 km/s, reduzindo o tempo de viagem para Saturno. A escolha de trajetórias distintas maximizou a diversidade de dados coletados, com a Voyager 1 priorizando Titã e a Voyager 2 explorando os planetas mais distantes.

Design das Sondas

As Voyager 1 e Voyager 2 são idênticas em design, construídas pelo JPL para suportar longas missões em ambientes hostis. Cada sonda pesa 815 kg (733 kg atuais, após consumo de propelente - em 2017 estimava-se que a Voyager 1 ainda teria 14kg de hidrazina e a Voyager 2 teria 23kg de hidrazina) e possui um barramento central decagonal de 1,8 m de diâmetro, feito de alumínio, que abriga os sistemas eletrônicos. O design incorpora elementos das missões Mariner e Viking, mas foi adaptado para os desafios do espaço profundo. 




  • Estrutura:

    • Uma antena parabólica de alto ganho (3,7 m de diâmetro) para comunicação com a Terra.

    • Braços extensíveis: um de 13 m para o magnetômetro, minimizando interferências, e outro de 10 m com antenas de rádio para o Planetary Radio Astronomy (PRA).

    • Plataforma de varredura móvel para alinhar câmeras e espectrômetros aos alvos.

    • 16 propulsores de hidrazina (0,9 N cada) para ajustes de trajetória e controle de atitude.

  • Características de Robustez:

    • Sistemas redundantes para computadores, transmissores e receptores, garantindo operação mesmo após falhas.

    • Proteção contra radiação, com blindagem para suportar os intensos cinturões de radiação de Júpiter.

    • Sensores de navegação, incluindo o Canopus Star Tracker e giroscópios, para manter a orientação.

  • Disco Dourado:

    • Cada sonda carrega o "Voyager Golden Record", um disco de cobre banhado a ouro com 115 imagens, sons da natureza, músicas de diversas culturas e saudações em 55 idiomas, projetado por Carl Sagan como uma mensagem para possíveis civilizações extraterrestres.



Esses discos valem um pouco mais de discussão.

Os "Golden Records" das Voyagers contêm instruções gravadas em suas capas para que possíveis descobridores extraterrestres compreendam como reproduzir seu conteúdo. Abaixo está uma explicação detalhada dessas instruções, que foram cuidadosamente desenhadas para serem universais e compreensíveis por uma inteligência não humana:

1. Material e Contexto:
    O disco é feito de cobre banhado a ouro, com 12 polegadas de diâmetro, projetado para durar bilhões de anos no vácuo espacial. Ele contém sons, imagens e mensagens da Terra, representando a humanidade e sua diversidade cultural.

2. Instruções Visuais na Capa:
  • Diagrama do Estilete e Reprodução: A capa mostra um desenho do toca-discos e do estilete (a agulha) que deve ser usado para tocar o disco. O estilete está ilustrado em duas posições: uma para mostrar como ele deve ser encaixado e outra para indicar sua posição durante a reprodução.
  • Velocidade de Rotação: Há um símbolo indicando a velocidade correta de rotação do disco (16⅔ rotações por minuto). Isso é reforçado por um diagrama que usa o tempo de transição de um átomo de hidrogênio (0,7 bilionésimos de segundo) como unidade de tempo universal, permitindo que a velocidade seja calculada.
  • Formato do Sinal: Um diagrama explica que o conteúdo do disco é codificado em sinais analógicos. Ele mostra como as ondas sonoras e as imagens (convertidas em sinais de vídeo) são gravadas em forma de sulcos no disco. As instruções indicam que o sinal deve ser lido em uma sequência linear.


3. Decodificação das Imagens:
  • Formato de Vídeo: As imagens são codificadas em 512 linhas verticais, e a instrução inclui um exemplo de como o sinal de vídeo deve ser interpretado para reconstruir uma imagem. Um círculo é usado como imagem de teste: se a imagem for reconstruída corretamente, o círculo aparecerá na proporção correta.
  • Primeira Imagem como Chave: A primeira imagem gravada no disco é um círculo perfeito, servindo como uma verificação para garantir que o sistema de reprodução está funcionando corretamente.
4. Localização da Terra:
    A capa inclui um mapa estelar que mostra a posição do Sol em relação a 14 pulsares (estrelas de nêutrons que emitem pulsos regulares). Cada linha indica a distância e o período dos pulsos desses pulsares, usando a mesma unidade de tempo do átomo de hidrogênio. Isso permite que uma civilização avançada triangule a posição do nosso sistema solar na galáxia.

5. Símbolos Universais:
    As instruções evitam linguagem humana e usam símbolos baseados em princípios científicos universais, como a física do hidrogênio e a geometria. Por exemplo, o diagrama do átomo de hidrogênio (com seus dois estados de spin) é usado como base para todas as medições de tempo e distância.

6. Conteúdo do Disco:
    Embora as instruções não detalhem o conteúdo, elas garantem que, se o disco for reproduzido corretamente, o ouvinte terá acesso a:
  • Sons: Saudações em 55 idiomas, sons naturais (como vento, trovões e animais) e uma seleção de músicas de diversas culturas.
  • Imagens: 115 imagens codificadas, incluindo fotografias da Terra, diagramas científicos e representações da vida humana.
  • Mensagem: Uma mensagem gravada do então presidente dos EUA, Jimmy Carter, e do secretário-geral da ONU, Kurt Waldheim.
7. Propósito das Instruções:
    As instruções foram desenhadas por uma equipe liderada por Carl Sagan para serem o mais universais possível, assumindo que qualquer civilização capaz de encontrar e recuperar o disco teria conhecimento avançado de física e matemática. O objetivo é não apenas permitir a reprodução do disco, mas também fornecer um contexto sobre quem somos e onde estamos no universo.

8. Controversas e preocupações:
    A inclusão do mapa estelar no Disco de Ouro das Voyagers, indicando a localização da Terra em relação a 14 pulsares, gerou debates desde seu planejamento em 1977, com preocupações centradas em segurança, ética e as implicações de revelar nossa posição a possíveis civilizações extraterrestres.

Um dos principais temores era que o mapa permita a uma civilização avançada e hostil localizar a Terra, funcionando como um "farol" cósmico. Esse risco, levantado por figuras como Stephen Hawking, compara o contato com extraterrestres a encontros históricos entre culturas tecnologicamente díspares, como a chegada dos europeus nas Américas. No entanto, Carl Sagan e a equipe do projeto argumentaram que sinais de rádio terrestres, como transmissões de TV, já tornam a Terra detectável, minimizando o risco adicional do disco.

Outro ponto de controvérsia era a questão ética de revelar nossa localização sem consenso global, já que a decisão foi tomada por um pequeno grupo de cientistas e pela NASA, sem consulta ampla, o que alguns consideraram uma abordagem elitista. Sagan defendeu que o disco era um gesto simbólico, com baixa probabilidade de ser encontrado devido ao vasto espaço interestelar e à lenta velocidade das sondas.

Havia também preocupações técnicas sobre a precisão do mapa estelar a longo prazo, já que pulsares desaceleram e estrelas se movem, podendo tornar o mapa obsoleto ou impreciso em milhões de anos. A equipe contrargumentou que a escolha de pulsares garante estabilidade por longos períodos, e a unidade de tempo baseada no átomo de hidrogênio permite ajustes.

Filosoficamente, a decisão toca no Paradoxo de Fermi, que questiona a ausência de contato extraterrestre apesar da provável existência de vida na galáxia. Alguns sugerem que civilizações avançadas adotam o "silêncio cósmico" para evitar detecção, e revelar nossa posição poderia violar essa cautela, conforme a "hipótese do zoológico". Sagan, otimista, acreditava que civilizações capazes de encontrar o disco seriam curiosas ou benevolentes, vendo o projeto como uma chance de diálogo cósmico.

Por fim, havia um impacto psicológico e cultural, com a exposição da Terra ao desconhecido gerando ansiedade em alguns, amplificada por narrativas de ficção científica sobre contatos ameaçadores. Ainda assim, o Disco de Ouro é amplamente visto como uma celebração da humanidade, simbolizando esperança e curiosidade, apesar dos riscos.

As controvérsias refletem o equilíbrio entre a ambição de explorar e a prudência diante do desconhecido, mas a chance de o disco ser encontrado permanece mínima, tornando-o mais um símbolo do que uma ameaça prática.

O conteúdo pode ser visto aqui e aqui. Recomendo muitíssimo que vejam!

O design foi um equilíbrio entre robustez, eficiência energética e capacidade científica, permitindo que as sondas operassem por quase cinco décadas, muito além da missão primária de cinco anos.

Instrumentos Científicos

Cada Voyager carrega 10 instrumentos científicos, além da antena de rádio, totalizando 105 kg, projetados para estudar planetas, luas, anéis, campos magnéticos, partículas e ondas. Abaixo está a lista completa, com descrições detalhadas e status em 2025.



  • Imaging Science Subsystem (ISS):

    • Duas câmeras (grande angular de 200 mm e estreita de 1500 mm) com sensores vidicon de 800x800 pixels para imagens visíveis. Capturou fotos icônicas, como o "Pale Blue Dot". Desligadas em 14/02/1990 (Voyager 1) e 10/10/1989-05/12/1989 (Voyager 2) para economizar energia.

  • Infrared Interferometer Spectrometer and Radiometer (IRIS):

    • Mediu temperaturas e composições químicas de atmosferas planetárias, como metano em Titã. Desligado em 07/12/2011 (Voyager 1) e 12/11/1998 (Voyager 2).

  • Ultraviolet Spectrometer (UVS):

    • Detectou luz ultravioleta para estudar atmosferas, auroras e processos físicos. Ainda operacional na Voyager 1 (plataforma fixa), mas desligado na Voyager 2 em 1998.

  • Photopolarimeter Subsystem (PPS):

    • Analisou propriedades de partículas atmosféricas e superfícies por polarização da luz. Desligado em 1980 (Voyager 1) e 1991 (Voyager 2) devido a degradação.

  • Cosmic Ray Subsystem (CRS):

    • Detecta partículas de alta energia do Sol, planetas e fontes galácticas. Ainda operacional em ambas as sondas, crucial para estudar o meio interestelar.

  • Low-Energy Charged Particles (LECP):

    • Mede partículas de baixa energia em plasmas planetários e interplanetários. Ainda operacional, fornecendo dados sobre ventos solares.

  • Magnetometer (MAG):

    • Estuda campos magnéticos planetários e interestelares com dois sensores triaxiais (baixo e alto campo). Operacional, medindo o campo magnético interestelar.

  • Plasma Subsystem (PLS):

    • Analisa plasma de baixa energia e vento solar, medindo densidade e velocidade. Desligado em 15/01/2008 (Voyager 1) e 21/02/2008 (Voyager 2) devido a restrições de energia.

  • Plasma Wave Subsystem (PWS):

    • Detecta ondas de plasma e interações onda-partícula, como as causadas por relâmpagos em Júpiter. Operacional na Voyager 1, mas desligado na Voyager 2 em 2024 para economizar energia.

  • Planetary Radio Astronomy (PRA):

    • Estudou emissões de rádio planetárias, como as de Júpiter (kilométricas e hectométricas). Desligado em 19/04/2016 (Voyager 1) e 12/11/1998 (Voyager 2).

  • Radio Science Subsystem (RSS):

    • Usou o sistema de comunicação para estudar atmosferas, anéis e gravidade planetária por refração de sinais. Não usado desde Netuno (1989).

Os instrumentos foram projetados para complementar uns aos outros, permitindo medições simultâneas de fenômenos complexos, como campos magnéticos e partículas energéticas, durante os sobrevoos planetários.

Computadores de Bordo e Processamento de Dados

As Voyager possuem três sistemas de computadores redundantes, totalizando seis por sonda, projetados para robustez em vez de velocidade. Eles operam sem microprocessadores modernos, usando circuitos integrados personalizados e memória limitada, mas robustos e extremamente confiáveis.

  • Computer Command Subsystem (CCS):

    • Função: Gerencia comandos da Terra, decodificação, correção de falhas e sequenciamento de operações.

    • Memória: 69,63 KB (4.096 palavras de 18 bits), dividida entre volátil e não volátil. Permite reprogramação em voo para novas rotinas, como as usadas na VIM.

    • Software: Escrito em Fortran 5, portado para Fortran 77, com atualizações em C. Não há sistema operacional moderno; o software é composto por rotinas fixas e programas específicos.

    • Curiosidade: O CCS da Voyager 2 detém o recorde do Guinness de maior período de operação contínua de um computador (desde 20/08/1977).

  • Flight Data Subsystem (FDS):

    • Função: Coleta, formata e armazena dados científicos e de engenharia. Gerencia o Digital Tape Recorder (DTR) com 64 MB de capacidade, usado quando a transmissão em tempo real não é possível.

    • Desafios: Em 2023, a Voyager 1 sofreu corrupção de 3% da memória do FDS, exigindo a remoção de código obsoleto (como rotinas de Júpiter) para restaurar operações. A baixa taxa de dados (160 bits/s) torna a reprogramação lenta, com atualizações levando semanas.

  • Attitude and Articulation Control Subsystem (AACS):

    • Função: Controla a orientação da sonda, apontando a antena para a Terra e a plataforma de varredura para alvos.

    • Design: Baseado no CCS das Viking, com palavras de 18 bits (12 bits para endereços, 6 bits para códigos de operação). Usa giroscópios e sensores estelares, como o Canopus Star Tracker.

Processamento de Dados:

  • Os dados científicos são coletados pelos instrumentos, formatados pelo FDS e armazenados no DTR ou transmitidos diretamente. Durante os encontros planetários, a taxa de transmissão atingia 7,2 kbps (X-banda), mas hoje é limitada a 160 bits/s devido à distância e à potência reduzida.

  • A telemetria inclui 139 parâmetros de engenharia (como temperatura e voltagem) e dados científicos, enviados ao Deep Space Network (DSN). Em terra, os dados são processados em sistemas modernos, mas a bordo, o processamento é mínimo, com compressão básica para imagens.

  • A reprogramação em voo foi essencial para a longevidade. Por exemplo, após Netuno, o software da Voyager 2 foi atualizado para priorizar medições interestelares, como as do CRS e MAG.

A ausência de um sistema operacional complexo reduz a sobrecarga, e a redundância garante operação mesmo após falhas, como a perda de um receptor de rádio na Voyager 2 em 1978 e corrupção de memória na Voyager 1 em 2023.

Sistema de Energia

O gerador termoelétrico de radioisótopos de centenas de watts ou Multihundred-watt
radioisotope thermoelectric generator (MHW RTG)

As Voyager são alimentadas por três geradores termoelétricos de radioisótopos (RTGs), que convertem o calor do decaimento de plutônio-238 em eletricidade. Cada RTG produzia 157,7 watts no lançamento, totalizando 470 watts por sonda. O decaimento reduz a potência em ~4 watts/ano, e em 2025, as sondas operam com cerca de 225 watts.

  • Gerenciamento de Energia:

    • Instrumentos foram desligados progressivamente para economizar energia. Por exemplo, as câmeras foram desativadas após os sobrevoos planetários, e o PWS da Voyager 2 foi desligado em 2024.

    • O sistema de aquecimento, essencial para manter os componentes a temperaturas operacionais (-79°C a 76°C), consome energia significativa. Sensores de temperatura (RTDs) monitoram 177 pontos em cada sonda.

    • A expectativa é manter pelo menos um instrumento ativo até 2027-2030, quando a potência cair abaixo do mínimo operacional (~200 watts), encerrando a missão.

  • Desafios:

    • A baixa potência exige priorização de instrumentos. O CRS, LECP, MAG e PWS (Voyager 1) são mantidos ativos por sua relevância na VIM.

    • Em 2019, a Voyager 2 enfrentou um pico de consumo que desligou instrumentos temporariamente, exigindo intervenção manual do DSN.

Os RTGs foram uma inovação crítica, permitindo missões de longa duração onde painéis solares seriam ineficazes devido à distância do Sol.

Missões do Programa Voyager

O Programa Voyager foi dividido em duas fases principais:

  • Voyager Planetary Mission (1977-1989):

    • Focada nos sobrevoos de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. A Voyager 1 completou sua missão primária em Saturno (1980), enquanto a Voyager 2 estendeu a exploração até Netuno (1989).

    • Encontros planetários:

      • Júpiter: Voyager 1 (05/03/1979), Voyager 2 (09/07/1979).

      • Saturno: Voyager 1 (12/11/1980), Voyager 2 (25/08/1981).

      • Urano: Voyager 2 (24/01/1986).

      • Netuno: Voyager 2 (25/08/1989).

  • Voyager Interstellar Mission (VIM, 1990-presente):

    • Iniciada após Netuno, a VIM estuda a heliosfera, a heliopausa e o meio interestelar. Dividida em três fases:

      • Termination Shock Phase: Até a zona de choque de terminação (~2004 para Voyager 1, ~2007 para Voyager 2).

      • Heliosheath Exploration Phase: Até a heliopausa (2012 para Voyager 1, 2018 para Voyager 2).

      • Interstellar Mission Phase: Dados sobre o meio interestelar, com foco em partículas cósmicas, campos magnéticos e ondas de plasma.


As missões foram planejadas para cinco anos, mas a robustez das sondas permitiu quase 50 anos de operação, com dados ainda sendo recebidos em 2025.

Principais Descobertas

As Voyager 1 e 2 transformaram nosso conhecimento do Sistema Solar e do espaço interestelar. Abaixo, as descobertas mais significativas, organizadas por sonda e planeta.

Voyager 1

  • Júpiter (1979):

    • Descobriu um sistema de anéis finos, até então desconhecido, com partículas de poeira.

    • Identificou vulcanismo ativo na lua Io, com plumas eruptivas de até 300 km, o primeiro caso de vulcanismo extraterrestre.

    • Descobriu duas novas luas: Thebe e Metis.

    • Observou a Grande Mancha Vermelha como uma tempestade anticiclônica com ventos de 432 km/h e mediu padrões climáticos complexos.

  • Saturno (1980):

    • Revelou estruturas intricadas nos anéis, incluindo tranças, dobras e "raios" causados por interações eletrostáticas.

    • Descobriu cinco novas luas (Atlas, Prometheus, Pandora, Calypso, Telesto) e confirmou o anel G.

    • Estudou a atmosfera de Titã, rica em nitrogênio e metano, sugerindo condições químicas prebióticas.

  • Espaço Interestelar (2012):

    • Cruzou a heliopausa em 25/08/2012, confirmando a transição para o meio interestelar.

    • Descobriu que a heliosfera bloqueia ~70% da radiação cósmica galáctica.

    • Detectou "bolhas magnéticas" na heliopausa e nenhuma mudança significativa na direção do campo magnético solar.

Voyager 2

  • Júpiter (1979):

    • Confirmou o vulcanismo em Io e observou relâmpagos na atmosfera joviana.

    • Descobriu uma 14ª lua, Adrastea.

  • Saturno (1981):

    • Fotografou luas como Hiperion (superfície esponjosa), Encélado (superfície brilhante), Tétis e Febe, revelando diversidade geológica.

    • Identificou "luas pastoras" (Prometheus e Pandora) que estabilizam os anéis.

  • Urano (1986):

    • Descobriu 10 novas luas, incluindo Puck e Perdita (identificada em 1999 em imagens arquivadas).

    • Revelou um campo magnético desalinhado (inclinado 59° em relação ao eixo de rotação), com auroras amplamente distribuídas.

    • Observou dois novos anéis e mediu uma atmosfera composta por hidrogênio, hélio e metano.

  • Netuno (1989):

    • Descobriu seis novas luas (Proteus, Larissa, Despina, Galatea, Thalassa, Naiad) e quatro anéis completos, com arcos brilhantes.

    • Identificou a Grande Mancha Escura, uma tempestade com ventos de 2.400 km/h, e o "Scooter", uma nuvem em movimento rápido.

    • Confirmou que o metano absorve luz vermelha, dando a Netuno sua cor azul.

  • Espaço Interestelar (2018):

    • Cruzou a heliopausa em 05/11/2018, detectando um aumento abrupto em partículas cósmicas e uma queda no vento solar.

    • Forneceu dados complementares sobre a interação entre a heliosfera e o meio interestelar.

Comunicação com a Terra

As Voyager se comunicam com a Terra por meio do NASA Deep Space Network (DSN), usando antenas de 70 m e 34 m em Goldstone (EUA), Canberra (Austrália) e Madri (Espanha). A antena parabólica de 3,7 m de cada sonda transmite sinais em duas bandas:

  • S-Banda (2,3 GHz): Usada para dados de engenharia a 40 bits/s e comandos de uplink a 16 bits/s. Desativada após os encontros planetários.

  • X-Banda (8,4 GHz): Transmite dados científicos e de engenharia, com taxas de até 7,2 kbps durante sobrevoos e 160 bits/s atualmente.

  • Potência do Sinal: O transmissor de 22,4 watts gera sinais que, a 24 bilhões de km, chegam à Terra com 0,1 bilionésimo de watt. O DSN usa amplificação de sinal e combinação de antenas para captar esses sinais fracos.

  • Latência: Em 2025, os sinais da Voyager 1 levam 22,5 horas para chegar à Terra, e os da Voyager 2, 19 horas, devido às suas distâncias.

  • Desafios: Em 2023, a Voyager 2 perdeu alinhamento da antena, mas um comando de alta potência do DSN e um reset autônomo do AACS restauraram a comunicação. O AACS usa sensores estelares e giroscópios para manter a antena apontada para a Terra.


O Programa Voyager é um marco da engenhosidade humana, com as sondas Voyager 1 e Voyager 2 superando todas as expectativas ao operar por quase 50 anos. Aproveitando um alinhamento planetário único, elas revelaram os segredos de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, desde vulcões em Io até tempestades em Netuno, e hoje exploram o meio interestelar, fornecendo dados únicos sobre a heliosfera e além. Seu design robusto, com RTGs, computadores redundantes e instrumentos versáteis, permitiu uma longevidade excepcional, enquanto a comunicação via DSN demonstra a precisão da engenharia espacial. Carregando o Disco Dourado, as Voyager são embaixadoras da humanidade, um legado que pode perdurar por bilhões de anos. Até que sua energia se esgote, por volta de 2027-2030, elas continuarão a inspirar e ensinar, redefinindo os limites da exploração cósmica.

Apollo Guidance Computer: Um Mergulho Profundo na Tecnologia que Conquistou a Lua

Pessoal,


Há alguns anos atrás eu falei sobre o programa espacial tripulado da NASA, focando nas missões Mercury, Gemini e Apollo (veja aqui).

Entretanto, todo blog de tecnologia que se preste tem que falar, em algum momento, do Apollo Guidance Computer. E hoje é dia da gente falar dele!

Apollo Guidance Computer: Um Mergulho Profundo na Tecnologia que Conquistou a Lua

O Apollo Guidance Computer (AGC) foi o coração digital das missões Apollo, que levaram o ser humano à Lua entre 1969 e 1972. Desenvolvido pelo MIT Instrumentation Laboratory, sob a liderança de Eldon C. Hall (hardware) e Margaret Hamilton (software), o AGC era um computador embarcado responsável por navegação, orientação e controle do Módulo de Comando (CM) e do Módulo Lunar (LM). 

Este post oferece uma análise técnica detalhada, explorando o hardware revolucionário, a programação em assembly, a interação via DSKY, os erros críticos 1201 e 1202, os easter eggs e comentários no código-fonte, e como experimentar o AGC com simuladores, porém ser ser excessivamente técnico. Afinal de contos, eu sou um entusiasta por informática e tecnologia, não um professor no assunto! As referências utilizadas no final do post para que, quem quiser, complete ou aprofunde no assunto.


Inovações Tecnológicas do AGC Comparadas à Época

Na década de 1960, os computadores eram máquinas massivas, como o IBM System/360 (usado em bancos e universidades) ou o CDC 6600 (para cálculos científicos), que ocupavam salas inteiras, consumiam kilowatts de energia e dependiam de válvulas ou transistores discretos. Operavam modo batch, processando tarefas sequencialmente, com interfaces rudimentares (cartões perfurados, fitas magnéticas), além de exigir toda uma equipe de manutenção.

IBM System/360

CDC 6600

Essas características tornavam inviáveis sua utilização no espaço. Então, como falaremos abaixo, a NASA precisou começar do zero!


Hardware do AGC: Uma Obra-Prima de Engenharia

O AGC, projetado para o espaço, enfrentava restrições únicas: tamanho reduzido, baixo consumo de energia, resistência a vibrações, radiação e temperaturas extremas. Suas inovações o tornaram um marco.

O AGC operava com apenas 55 W, ocupando 0,06 m³ e pesando 32 kg. Sua inovação começou com o uso pioneiro de circuitos integrados (ICs) da Fairchild Semiconductor, uma tecnologia então experimental, inventada por Jack Kilby em 1958. Cada chip, com portas lógicas NOR de 3 entradas, integrava seis transistores em 1 cm², permitindo que o AGC Block I usasse 4.100 ICs e o Block II, mais otimizado, apenas 2.800. Comparado ao IBM 7094, com 50.000 transistores soldados manualmente, o AGC era uma façanha de densidade e eficiência, consumindo 1% da energia de um mainframe típico. Essa aposta nos ICs, defendida pelo MIT contra a desconfiança inicial da NASA, acelerou sua adoção em setores como aviação e eletrônicos de consumo.

O famoso "dual NOR" do AGC Block II


Armazenamento de Dados e Informações

A construção do AGC exigia robustez extrema. Suas conexões usavam wire-wrap, uma técnica onde fios eram enrolados em pinos para contatos firmes, resistindo a vibrações do lançamento do Saturn V. O calor gerado, dissipado passivamente por um chassi de alumínio no vácuo espacial, era cuidadosamente gerenciado, já que ventiladores eram inviáveis. Testes de qualificação, realizados em câmaras de vácuo e acelerômetros, simulavam as condições do espaço, incluindo radiação ionizante e choques térmicos. Comparado a outros sistemas embarcados da época, como o computador do míssil Minuteman II, que também usava ICs mas exigia menos interatividade, o AGC era único por combinar navegação autônoma, controle em tempo real e interface com astronautas. Nenhum AGC falhou em missões Apollo, um testemunho de sua engenhosidade.

Wire Wrap!

No coração do AGC estava sua memória, dividida em duas tecnologias inovadoras. A core rope memory, uma ROM de 36.864 palavras de 16 bits (~72 KB), armazenava os programas Colossus (Módulo de Comando) e Luminary (Módulo Lunar).

Core Rope Memory!

Cada núcleo magnético codificava até 64 bits, com fios tecidos manualmente para representar 1 (passando pelo núcleo) ou 0 (desviando). Esse processo, realizado por trabalhadoras da Raytheon apelidadas de "Little Old Ladies", era tão meticuloso que um erro exigia meses para retrabalhar. Imune a radiação e quedas de energia, a core rope era ideal para o espaço, superando as fitas magnéticas dos mainframes em confiabilidade, embora sua natureza fixa tornasse atualizações lentas. Para dados dinâmicos, como coordenadas orbitais ou comandos, o AGC usava uma core memory de 2.048 palavras (~4 KB), com núcleos magnéticos magnetizados para 0 ou 1. Apesar de sua leitura destrutiva, que exigia reescrita, a RAM era rápida (11,7 µs por acesso) e protegida contra radiação por blindagem magnética. Comparada aos 144 KB de RAM do IBM 7094, a memória do AGC era minúscula, mas otimizada para eficiência, armazenando apenas os dados essenciais, como vetores de estado orbital ou ângulos de gimbal.


Programação do AGC: A Arte do Assembly

A maravilha do AGC não era apenas em hardware, mas também em software! O sistema operacional do AGC, criado por J. Halcombe Laning, introduziu a multitarefa em tempo real, algo inédito na década de 1960. Enquanto mainframes processavam jobs sequencialmente, o AGC alternava entre tarefas como cálculos de trajetória, controle de motores e interação com astronautas. O componente Exec gerenciava até oito tarefas, atribuindo prioridades de 1 a 7, garantindo que funções críticas, como o controle de pouso, fossem priorizadas. A Waitlist, por sua vez, lidava com interrupções curtas, como leituras de sensores a 100 Hz, acionadas por um temporizador de hardware. Ocupando apenas 5% da ROM, esse sistema era uma façanha de otimização, essencial para um ambiente onde milissegundos podiam ser decisivos. A arquitetura de 16 bits, com um acumulador, um program counter e um registrador Q, operava a 0,043 MHz, executando 40.000 instruções por segundo. Embora mais lenta que o IBM 7094, sua eficiência para tarefas específicas, como resolver equações keplerianas, minimizava overhead.

A programação do AGC era um exercício de precisão, escrita em linguagem de montagem (AGC assembly) para caber nos 72 KB de ROM e 4 KB de RAM. Com apenas 11 instruções nativas, os programadores criavam rotinas densas. Para comparação, um chip CISC atual (Complex Instruction Set Computer), como os x86/64 da Intel e AMD, podem ter milhares de instruções e os RISC (Reduced Instruction Set Computer), como os ARM de celular ou Apple Silicon, contêm centenas de instruções!

Um trecho do arquivo LUNAR_LANDING_GUIDANCE.agc mostra o programa de pouso lunar (P63):

TC     BANKCALL   # Chama subrotina em outro banco
CADR   P63GO      # Endereço do programa P63
CA     TIME1      # Carrega tempo atual
TS     MPAC       # Armazena no registrador multiuso
TCF    LOOP       # Volta ao loop principal

Outro exemplo, de NAVIGATION.agc, calcula a órbita:

CA     VELX      # Carrega velocidade X
AD     DELTAV    # Adiciona correção
TS     VELNEW    # Armazena nova velocidade

Essas rotinas, com instruções como ADD, TC e CAF, exigiam otimização extrema. Para cálculos complexos, o AGC usava um interpretador virtual, suportando aritmética de ponto flutuante, funções trigonométricas (seno, cosseno) e operações matriciais, essenciais para navegação. O interpretador, ocupando ~5 KB, compactava algoritmos que, sem ele, exigiriam centenas de instruções nativas. A memória era dividida em bancos de 8 KB, acessados por BANKCALL, superando o limite de 12 bits dos operandos. Comparado ao Fortran ou COBOL, linguagens de alto nível e com alto grau de abstração do hardware dos mainframes, o assembly oferecia controle total, mas exigia paciência e criatividade.

Margaret Hamilton liderou uma equipe de até 350 programadores, desenvolvendo práticas que moldaram a engenharia de software.

Margaret Hamilton ao lado de listas de códigos dos programas do AGC

Testes unitários verificavam cada subrotina, simulações replicavam voos reais, e revisões cruzadas minimizavam erros.

TS PRIORITY   # Define prioridade da tarefa
TCF EXEC      # Chama o Executive

O sistema de priorização (visto acima), crucial nos erros 1201/1202, descartava tarefas de baixa prioridade em sobrecargas, enquanto comentários detalhados, como # COMPUTE DELTA-V FOR BURN, explicavam a lógica. Um exemplo de comentário em P63.agc detalha o pouso:

# COMPUTE DELTA-V FOR BURN
# ITERATE UNTIL ERROR < 0.01 FT/SEC
# ADJUST THRUST VECTOR FOR LANDING

O desenvolvimento, custando US$150 milhões (~US$1 bilhão hoje), envolveu 1.400 pessoa-anos, com colaboração intensa entre programadores, engenheiros e astronautas, garantindo zero falhas em missões tripuladas. A pressão da corrida espacial, contra a URSS, exigia prazos apertados, mas a equipe do MIT, com muitos na faixa dos 20 anos, entregou um software impecável. É ou não uma façanha?


Interação dos Astronautas: O DSKY e o Sistema Verbo-Substantivo

Os astronautas interagiam com o AGC pelo DSKY (Display and Keyboard), uma interface compacta com teclado numérico, displays de 7 segmentos e luzes indicadoras, projetada para uso com luvas espaciais e vibrações.

 
Diagrama da interface do DSKY do Módulo Lunar



O sistema verbo-substantivo simplificava comandos em códigos de dois dígitos.
  • Verbos definiam ações, como:

    • 06: Exibir dados no display.

    • 16: Monitorar dados continuamente.

    • 37: Selecionar um programa.

    • 21: Inserir dados manualmente.

    • 05: Acionar alarme visual.

  • Substantivos especificavam dados, como:

    • 62: Velocidade, taxa de descida e altitude.

    • 18: Tempo até ignição (TIG).

    • 43: Latitude e longitude de referência.

    • 09: Código de alarme.


Alguns exemplos incluem:
  • V06N62: Exibe velocidade (ex.: 1500 ft/s), taxa de descida (-70 ft/s) e altitude (5000 ft).

  • V16N18: Monitora o tempo até a ignição (ex.: 45 segundos).

  • V37N01: Seleciona o programa P01 (navegação orbital).

  • V21N43: Insere latitude (+12345) e longitude (-54321).

  • V05N09: Exibe códigos de alarme (ex.: 1202).

O teclado tinha:

  • Teclas numéricas (0-9).

  • VERB e NOUN para iniciar comandos.

  • ENTER para confirmar.

  • + e - para valores.

  • CLEAR para corrigir erros.

  • PRO (proceed) para avançar ou aceitar resultados.

  • KEY REL (key release) para liberar o teclado.


O teclado, com teclas como VERB, NOUN, ENTER e PRO, era intuitivo após treinamento, apoiado por uma folha de referência plastificada. Astronautas treinavam por meses em simuladores no MIT e em Houston, dominando comandos como V06N62 para monitorar a descida, mas ainda assim tinham uma "cola" no painel para qualquer emergência:



Para a saída de resultados, três displays de 7 segmentos (R1, R2, R3) mostravam até 5 dígitos em octal ou decimal. Cada display tinha um sinal (+ ou -) e suportava números como +12345 ou -00789.
  • Exemplo de saída para V06N62:

    • R1: 01500 (1500 ft/s, velocidade).

    • R2: -0070 (-70 ft/s, taxa de descida).

    • R3: 05000 (5000 ft, altitude).

Além disso, luzes indicadoras alertavam sobre estados:

  • COMP ACTY: Computador processando.

  • PROG: Alarme de programa (ex.: 1201/1202).

  • UPLINK ACTY: Dados recebidos da Terra.

  • NO ATT: Falta de dados de atitude.

  • GIMBAL LOCK: Alinhamento inválido dos gimbais.

  • TEMP: Superaquecimento (raro).


O DSKY, com displays verdes brilhantes e teclas robustas, é visível em close-ups e no painel do Módulo Lunar Eagle.




Comparado às interfaces do programa Gemini, que usavam mostradores analógicos, o DSKY era um salto digital, inspirando o Space Shuttle.

A robustez do AGC foi testada na Apollo 11, em 20 de julho de 1969, quando os erros 1201 e 1202 surgiram a 30.000 pés do solo lunar. Esses alarmes, indicando sobrecarga, foram causados pelo radar de rendezvous, ligado fora de fase com o sistema de energia do Módulo Lunar, gerava um "phase skew" que produzia dados inválidos e isso causava interrupções a cada 0,64 segundos. O erro 1201 sinalizava falta de espaço no Exec, e o 1202, na Waitlist, consumindo 15-20% do tempo de CPU. Buzz Aldrin, monitorando o DSKY, relatou: “Program Alarm. It’s a 1202”. Neil Armstrong, pilotando manualmente, manteve a descida, enquanto o Controle da Missão, liderado por Gene Kranz, avaliava. Jack Garman, com 24 anos, reconheceu os erros como gerenciáveis, usando uma folha de referência de alarmes. O sistema de priorização de Margaret Hamilton reiniciava o AGC em 2-3 segundos, descartando dados do radar e preservando cálculos críticos, retornando ao programa P63, de pouso, sem perda de contexto. A ordem “GO” permitiu o pouso com 30 segundos de combustível. Transcrições mostram a tensão:

102:38:25 ALDRIN: Program Alarm. 102:38:28 CAPCOM: It’s a 1202.
102:38:32 CAPCOM: We’re GO on that alarm.
102:38:42 ALDRIN: 1201.
102:38:44 CAPCOM: 1201 alarm. We’re GO.

A equipe de suporte, incluindo Steve Bales, foi premiada por sua resposta rápida. Após a Apollo 11, a NASA revisou os procedimentos do radar, aplicando lições em missões como a Apollo 12, onde verificações extras evitaram erros semelhantes.


Easter Eggs e Comentários no Código-Fonte

O código-fonte do AGC, disponível no GitHub (aqui) e Virtual AGC (aqui), revela a criatividade da equipe.

Easter eggs incluem “BURN, BABY, BURN!” em BURN_BABY_BURN--MASTER_IGNITION_ROUTINE.agc, celebrando a ignição do motor, e “PINBALL” em PINBALL_GAME_BUTTONS_AND_LIGHTS.agc, comparando o DSKY a um arcade. Referências mitológicas, como “LATONA”, aparecem em rotinas de navegação, enquanto erros de digitação, como “WTIH” por “WITH”, adicionam charme. Comentários humorísticos refletem a pressão:

  • “TEMPORARY, I HOPE HOPE HOPE” (EXECUTIVE.agc): Uma solução improvisada.

  • “THIS BETTER WORK OR WE’RE ALL IN TROUBLE” (LUNAR_LANDING_GUIDANCE.agc): Sobre o pouso.
  • “WHO WROTE THIS MESS?” (INTERPRETER.agc): Autocrítica.


Por Que o AGC Era Inovador e Adequado?

Comparado a dispositivos modernos, o AGC era muito, muito limitado. Seus 4 KB de RAM e 72 KB de ROM contrastam com os 8 GB de RAM e 512 GB de armazenamento de um iPhone 15. Operando a 0,043 MHz, executava 40.000 instruções por segundo, contra bilhões a 3,4 GHz, 100.000 vezes mais rápido. O DSKY, com displays de 7 segmentos, lembra um terminal Linux, enquanto smartphones têm telas OLED. Contudo, o AGC era robusto e funcional, resistindo a radiação e lidando com erros como o 1202. Sua latência de 11,7 µs para RAM era competitiva para a época, e sua eficiência inspirou sistemas embarcados modernos, como os de satélites e drones [14].

O AGC era ideal por sua eficiência e confiabilidade. Cada byte era usado com precisão, e zero falhas em missões Apollo comprovam sua robustez. Inovações como ICs, multitarefa em tempo real e engenharia de software moldaram tecnologias futuras.


Simulador do AGC: Revivendo a História

Simuladores permitem reviver essa história:

  • Moonjs (aqui): Executa Colossus 249 no navegador

  • Virtual AGC (aqui). Que permite emular o AGC das missões Apollo (8 a 17) e Gemini. 

O código-fonte, com 2 MB, é um legado aberto . Arquivos como LUNAR_LANDING_GUIDANCE.agc mostram a lógica do pouso, e o assembler yaYUL permite modificações. O Apollo Guidance Computer combina inovação e humanidade, com erros 1201/1202 e easter eggs como “BURN, BABY, BURN!”.

Bom, por enquanto é isso!

Até o próximo post, pessoal!

Fontes:
  1. Wikipedia. "Apollo Guidance Computer." https://en.wikipedia.org/wiki/Apollo_Guidance_Computer

  2. GitHub. "Apollo-11: Original Apollo 11 Guidance Computer (AGC) source code." https://github.com/chrislgarry/Apollo-11

  3. NASA. "Apollo 11 Lunar Surface Journal." https://www.nasa.gov/history/alsj/a11/a11.html

  4. Museu Capixaba. "Hoje: Computador Apollo Guidance Computer (AGC) de 1968." https://museucapixaba.com.br/hoje/computador-apollo-guidance-computer-agc-de-1968/

  5. IEEE Computer. "The Apollo Guidance Computer: A Review." https://csdl-downloads.ieeecomputer.org/mags/mi/2021/06/09623432.pdf

  6. YouTube. "Apollo Guidance Computer - How it Worked?" by CuriousMarc. https://www.youtube.com/watch?v=ge6zfKaMfAQ

  7. YouTube. "Apollo DSKY: The Human Interface to the Moon" by David Woods. https://www.youtube.com/watch?v=B1J2RMorJXM

  8. ABC News. "Apollo 11's Source Code Has Tons of Easter Eggs." https://abcnews.go.com/Technology/apollo-11s-source-code-tons-easter-eggs-including/story?id=40515222

  9. Viva o Linux. "Código Fonte Original da Missão Apollo 11." https://www.vivaolinux.com.br/dica/Codigo-Fonte-Original-da-Missao-Apollo-11

  10. Space Today. "O Código que Levou a Apollo 11 para a Lua é Disponibilizado para Acesso Público." https://spacetoday.com.br/o-codigo-que-levou-a-apollo-11-para-a-lua-e-disponibilizado-para-acesso-publico/

  11. Diolinux. "Código Fonte da Apollo 11 Disponível no GitHub para Download." https://diolinux.com.br/open-source/codigo-fonte-apollo-11-github-download.html

  12. Virtual AGC Project. "Apollo Guidance Computer Documentation and Software." https://www.ibiblio.org/apollo/

  13. GitHub. "Virtual AGC: Apollo Guidance Computer Emulator." https://github.com/virtualagc/virtualagc


sábado, 13 de março de 2021

Perseverança

Pessoal,

Pois bem, há alguns dias NASA pousou seu enésimo robô em Marte.

Já falei aqui sobre as missões espaciais tripuladas americanas (sim, as americanas foram as mais bem sucedidas) e falei aqui e aqui sobre as missões espaciais robóticas (também só falei das americanas, ficou devendo algumas soviéticas que foram bem sucedidas).

Como falei lá atrás, existem basicamente 6 tipos de sondas utilizadas pelas agências espaciais:

    -Sobrevoo (flyby): sonda passa próxima a um astro e o analisa com seus instrumentos;

    -Orbitador: sonda entra em órbita de um astro, passando a funcionar como um satélite artificial do mesmo;

    -Impacto: sonda colide com um astro, fazendo análises durante a aproximação ou colisão a ele;

    -Aterrissador (lander): sonda pousa num astro analisando-o in loco, muitas vezes levando consigo uma sonda veicular;

    -Veicular (rover): sonda com capacidade de locomoção para analisar uma área maior de um astro;

    -Observatório: sonda com capacidade de analisar várias faixas do espectro eletromagnético, efetuando observações astronômicas, geofísicas e espectrais, sem as distorções provocadas pela atmosfera terrestre.

Neste post, quando refiro aos robôs quero dizer rovers e não os landers.

Dito isso, vamos em frente.

Ná década de 1960 começou a exploração a Marte.

Os soviéticos lançaram várias sondas. Algumas tiveram sucesso parcial (orbitador ou flyby), mas não tiveram sucesso com seus landers (rovers ainda eram ficção científica). O programa MARS 1M (ou "Marsnik") falhou na decolagem ou ao entrar na órbita estacionária na Terra (Mars 1960A, 1960B, 1962A, 1962B). Depois, ainda na década de 1960, vieram as sondas do programa Mars 1 e do programa Zond, todas também sem sucesso.

Só nos anos 1970 que os soviéticos conseguiram. No programa M71, a sonda Cosmos 419 foi perdida na decolagem, mas as sondas Mars 2 e 3 chegaram - a Mars 2, em 1971, teve um problema em um computador e espatifou em Marte, sendo o primeiro objeto humano a tocar na superfície de Marte... Lembrou aqueles gols que o cara parece querer cruzar e erra o chute, acertando o gol meio sem querer (#Josimar86Feelings). Depois lançaram as Mars 4 e 5 (orbitares) e Mars 6 e 7 (flyby - lander) com sucesso relativo (os landers falharam). Ainda tentaram com as sondas Phobos, na década de 1980 (Phobos 1, para investigar a lua Phobos, e a Phobos 2, para investigar Phobos e Deimos). Não deu muito certo também.

Já os americanos tiveram mais sorte (sorte?). As sondas Ranger 1 a 9 (1961-1965) tinham com objetivo a Lua e o sucesso foi variado (só deu certo a partir da 7). As Mariner 1 e 2, em 1962, e a Mariner 5, em 1967, foram para Vênus (na verdade só as Mariner 2 e 5, porque a 1 falhou no lançamento). As Mariner 3 e 4, em 1964, foram para Marte (mais uma vez, apenas a 4, porque a 3 teve um probleminha e não conseguiu se separar do foguete). As Mariner 6 e 7 (em 1969) também foram para Marte, assim como a Mariner 9 (em 1971, o primeiro objeto humano a orbitar um corpo celeste que não fosse a Terra ou a Lua!). A Mariner 8 morreu na decolagem e a Mariner 10 (1973) foi para Vênus e Mercúrio.

As sondas do programa Surveyour (1964-1968) tiveram o objetivo de pousar na Lua como parte da preparação para o programa Apollo. Foram 7 sondas e, exceto pela 2 e 4 (chegaram na Lua, mas o pouso não foi "delicado", digamos assim), todas foram bem sucedidas. Aqui um detalhe: a Surveyor 3 foi visitada pelos astronautas da Apollo 12, Charles Conrad e Alan Bean.

Eu acho essa foto uma coisa simplesmente impressionante! O fato em si é MUITO impressionante: sair da Terra, voar por 3 dias por 300.000Km e pousar na Lua a 200 metros de onde estava um lander que havia chegado anos antes. Isso na década de 60! Fantástico!

Em 1975 foram lançados duas sondas pelo programa Viking (a Viking 1 e 2), ambas com uma parte obitador e uma lander. Ambas foram bem sucedidas e forneceram, dentre vários dados científicos, a primeira foto com boa qualidade da superfície de Marte e a foto mais famosa do planeta vermelho.



(Sim, o papel de parede que veio no seu iPhone 6 é uma foto tirada por uma Viking da década de 1970!)

Já as sondas Mariner 11 e 12 foram incorporadas por outro programa, o Voyager. Esse ainda vai ter um post especial (já é a 3a ou 4a vez que prometo isso mas juro que vai sair).

Bom, Marte sempre se mostrou um planeta difícil para pouso. Ao contrário de Vênus que tem uma atmosfera super pressurizada (quase 100 vezes mais pressão que a da Terra) e que freia tudo (e implode também), Marte tem uma atmosfera mais fina e rarefeita (apenas 1% da atmosfera terrestre) e tem menos massa, ou seja, menos gravidade. Assim, após fazer um objeto chegar lá a vários milhares de quilômetros por hora, freiar isso na atmosfera rarefeita é um problema. E isso torna tudo a coisa bem interessante.

Os EUA até o momento foram os únicos a conseguirem pousar em Marte. Viking 1 e 2 em 1976, robôs depois disso.

Em 1997 pousaram a Mars Pathfinder (em Chryse Planitia, na região de Ares Vallis), que tinha o primeiro robô: Sojouner.

("Muito prazer, eu sou o Sojourney!")

Esse robozinho de 10kg rodou perto de seu lander por 83 sóis (85 dias). Veja mais aqui.

Em 2004 pousaram mais dois outros: Spirit e Opportunity. Esses dois robôs gêmeos pousaram em locais distintos: Spirit na cratera Gusev, onde viu claros indícios que houve regiões úmidas favoráreis à vida em Marte; Opportunity pousou no pólo norte de Marte, em Meridiani Planum, num lugar que acreditam ter sido a costa de um mar salgado em Marte.

("Muito prazer, eu sou o Spirit! Mas se você me chamar por Opportunity, eu também respondo!")

Os gêmeos pesavam 185kg. Spirit trabalhou até 2010 quando ficou preso em um banco de areia em uma posição que impedia o recarregamento de suas baterias solares. Percorreu quase 8km, 12x mais que o planejado; trabalhou por mais de 6 anos mesmo sendo previsto apenas 3 meses. Veja mais sobre o Spirit aqui!

Duas coisas legais que o Spirit gravou: um redemoinho de poeira e o por do Sol visto de outro planeta!



Seu irmão Opportunity trabalhou por mais de 15 anos (era previsto 3 meses também\), viajou por mais de 45km e só morreu quando uma tempestade de areia global em 2018 impediu que o rover recarregasse suas baterias por falta de energia solar suficiente. Veja mais aqui.

(Opportunity mostrando o escurecimento do dia marciano com a chegada da tempestade de areia)

Em 2012 chegou o Curiosity na cratera Gale. Este rover é significativamente maior que seus antecessores, pesando quase 900kg. Mais informações aqui.

(Spirit/Opportunity à esquerda, Sojourner ao cento e Curiosity à direita)

(Tamanho dos rovers comparados aos humanos)

Ao contrário dos rovers anteriores que dependiam de energia solar, o Curiosity é suprido por um pequeno reator nuclear que utiliza decaimento radioativo de 4,8kg de Plutônio-232, um isótopo que não consegue manter uma reação cadeia de fissão nuclear.

O Curiosity já percorreu quase 25km e está na ativa há quase 10 anos.

Aqui, o Curiosity mostra que o por do Sol em Marte é meio azulado (devido à atmosfera cheia de areia, que capta melhor o azul que outras cores).


Falei disso em 2017: apenas na Terra e Marte conseguimos ver um por do Sol. Nenhum outro planeta do Sistema Solar permite isso. Entre as luas, talvez apenas Titã, lua de Saturno, que tem atmosfera (de metano).

Curiosity inaugurou o novo modo de pousar em Marte da NASA. A sonda se aproxima, entra na atmosfera protegida por um escudo térmico, abre paraquedas em velocidade supersônica, utiliza um lander que desce até certa altura e desce o rover por um guindaste. Essas manobras foram apelidadas pela NASA de "7 minutos de terror", o tempo para o pouso em Marte. Ainda, devido à distancia de Marte a comunicação entre os dois planetas pode ter cerca de 8 minutos de atraso. Ou seja, quando chegasse aqui na Terra a informação que a sonda ainda estava a um minuto de entrar na atmosfera, ela, de fato, já estaria no solo de Marte, de um jeito (pousou) ou de outro (espatifou).

Como a Terra e Marte estão em órbitas diferentes em torno do Sol, a Terra leva 1 ano para completar uma órbita e Marte leva 1,9 anos (anos terrestres!). Lançar um objeto para Marte é como arremessar um objeto em um alvo em movimento. Assim, para transferir alguma coisa da órbita terrestre para a marciana com o menor consumo de combustível, é necessário esperar um certo alinhamento dos planetas, o que ocorre a cada 780 dias.

(Janelas de lançamento para Marte)


Essas distâncias estão em milhões de quilômetros. Dez milhões de Km são 0,55 minutos-luz. Isso quer dizer que alguma coisa viajando na velocidade da luz demora 0,55 minutos (pouco mais de 30 segundos) para percorrer 10 milhões de quilômetros. Assim, a distância varia de algo entre 80 milhões de km (4,5 minutos luz) a 400 milhões de dm (22 minutos luz).


(Trajetória da InSight)

(Vídeo da AFP que mostra como foi esperado o pouso do Curiosity)

Bom, agora em 2021 chegou em Marte o Perseverance.

O Perseverance foi baseado no Curiosity para contenção de custos. Pousou em Marte como o Curiosity e também tem um gerador de energia termelétrico baseado em decaimento de isótopo radioativo do Plutônio-238 como o Curiosity. É o rover com planejamento para durar mais tempo: pelo menos 668 sóis (687 dias terrestres). Veja mais informações aqui.

Só um adendo: o dia marciano dura 40 minutos a mais que o dia terrestre, por isso usam "sóis" como referência ao dia marciano (e por isso, a longo prazo, um número de sóis marcianos vai ser menor que o número de "sóis" terrestres).

Perserverance pousou na Cratera Jezero e está levando um nini-helicóptero (Ingenuity) para provar que é possível voar de modo diverso de jato em Marte (lembrem-se que é muito mais difícil voar lá, porque, apesar de ter gravidade menor, a atmosfera é muito rarefeita).

Este rover está levando o "álbum de fotografias" da família:


Ela também levou uma homenagem aos profissionais da saúde que estão atuando na pandemia pelo COVID-19. Uma homenagem bem legal!



Esse símbolo aí é "Bastão de Asclépio", símbolo da Medicina. Isso vem da mitologia grega, onde Asclépio, semideus, filho de Apolo, foi criado pelo centauro Quiron. Quiron teria ensinado a Asclépio a serventia das plantas medicinais. Asclépio teria se tornado médico e ressuscitado Hipólito e se tornado, assim, deus da Medicina.


Algumas coisas interessantes sobre o Perseverance e o Curiosity. Ambos têm dois computadores on-board, com memórias e processadores resistentes a radiação. Utilizam um RAD750, baseado no PowerPC 750 da IBM/Motorola, 32 bits, da 3a geração (PowerPC G3), de 1997 (o RAD750 é de 2001). Esse processador é contemporâneo do Pentium II mas é menor e gasta menos energia. Foi utilizado em alguns computadores da Apple, inclusive no iMac original (aquele com "sabores").




Esse RAD750 tem clock de 200MHz, um core, cache de 32KB, litografia de pré-históricos 150nm, 10 milhões de transístores, trabalha com temperaturas entre -55 e 125 °C, requer apenas 5W para funcionar (a placa mãe com o processador requer 10W apenas) e suportam mais de 100.000 rads (o processador suporta até 1.000.000 rads). Mil rads matam um pessoa...

Vários objetos fora da Terra utilizam esse processador: Curiosity e Perseverance, sonda Deep Impact, Telescópio espacial Fermi e Kepler, Sonda Juno, dentre outras.

("Olá, muito prazer! Eu sou o RAD750!")

Esse brinquedo aí custa singelos US$284,000.00 dólares! Cada!

Enquanto o Curiosity tem dois computadores principais com RAD750, 250KB de EEPROM, 256MB de memória RAM e 2GB de memoria flash, os do Perseverance têm 128MB de RAM rodando a 133MHz e acessa 4GB de memória não volátil.

Além disso, ambos possuem mais outros dois computadores: um com processador SPARC para controlar os motores e a propulsão do estágio de descida, ao chegar em Marte, e outro, também SPARC, que controla parte da movimentação e caixa do motor. Esses SPARCs, assim como os RAD750s, também são RISC (Reduced Instruction Set Computing). Vou fazer um outro post sobre RISC (e CISC) depois.

Ambos os rovers rodam um sistema operacional chamado VxWorks, do tipo RTOS (Real Time Operating System), muito utilizado em robótica, industria aeroespacial e médica, etc. É utilizado nos veículos que utilizam o RAD750, em aviões não tripulados, no Boeing 787, nos BMW iDrive, em diversos equipamentos da Toshiba, Bosch e Hyundai, em alguns roteadores Linksys, impressoras, em robôs cirúrgicos, equipamentos de radioterapia, etc. Esse SO foi escrito em C. Veja mais aqui e aqui.

Outra coisa legal foi que a sonda filmou sua chegada em Marte. Veja:


Não tenho palavras para descrever esse vídeo de tão legal que ele é!

Quando o paraquedas foi aberto, muitas pessoas viram um padrão estranho:


Claro, isso não estava aí à toa! Cada anel concêntrico representa uma palavra codificada em bits (vermelho é 1 e branco é 0). Cada 8 bits forma um byte que, somado com 64, dá um código ASCII para uma letra. Além disso também colocaram números representando a geolocalização do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL/NASA).



Essa frase é um "mantra" da própria NASA: "Dare Might Things", algo como "Ouse coisas poderosas". Essa frase é tirada de um discurso do presidente Theodore Roosevelt, de 1899"

“Far better it is to dare mighty things, to win glorious triumphs, even though checkered by failure, than to take rank with those poor spirits who neither enjoy much nor suffer much, because they live in the gray twilight that knows not victory nor defeat.”

Traduzindo, é algo como: "Muito melhor é ousar coisas poderosas, conquistar triunfos gloriosos, ainda que oprimidos pelo fracasso, do que se colocar ao lado daqueles pobres espíritos que não gozam muito nem sofrem muito, porque vivem no crepúsculo cinzento que não conhece vitória nem derrota."

Em 2013 a NASA já havia utilizado essa frase em um trailer sobre o pouso do Curiosity (veja aqui). Agora foram mais além!

Por último, um mapa que mostra as missões em Marte:


E é assim que a banda toca!

Enquanto os EUA colocam seu quinto robô para andar e explorar Marte, a gente aqui vai discutindo o BBB e tatuagem no cu da Anita. Estamos onde estamos com muito esforço e muito mérito! Não é fácil ser essa pocilga! Parabéns aos envolvidos!

E agora, com ajuda do STF, soltamos um bandido e vamos conduzir-lo à presidência da república de bananas. "E à beira do precipício, o Brasil tomou uma importante decisão e deu um passo à frente!"

Perseverança.

Tudo que nos resta é isso: perseverar. E não perder a esperança.

Por hoje é isso.