quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Olá, Portugal! Acabei de nascer! Linda e longa novela :)

Pessoal,




É inegável que uma segunda nacionalidade abre portas em outros países. A depender desta segunda nacionalidade, muitas portas são abertas!

Por motivos óbvios, ser brasileiro é uma profissão de risco. O Brasil é um país politica e economicamente instável. Golpe após golpe, crise após crise. Tiram bandido da cadeia e colocam na presidência. Óbvio que não pode dar certo!

Há vários anos já era interessando pela história da minha família, tanto a família do meu pai quanto da minha mãe. Histórias de migração são sempre sofridas.

A família do meu pai é toda de imigrantes europeus que vieram pra cá no começado século XX, atrás de melhores condições de vida. Um espanhol que casou com uma italiana e um português que casou com outra italiana. Só não contavam que, um século depois, aqui virou zona e lá as coisas melhoraram.

Comecei a revirar os arquivos de casa procurando documentos. Como meus avós, filhos dos imigrantes, já eram falecidos, conversei com parentes mais velhos para saber detalhes. Procurei na internet para ver se achava alguma coisa. 

Precisava entender também como as leis de nacionalidades dos países europeus (no caso, Portugal, Espanha e Itália) funcionavam.

No Brasil, é brasileiro quem é filho de brasileiro (óbvio) mas também quem nasce no Brasil (mesmo que filho de estrangeiros). Isso é chamado de "jus soli", direito do solo. O jus soli foi desenvolvido para povoar países do Novo Mundo, como o Brasil, os Estados Unidos, o Canadá, a Argentina e o Uruguai, por exemplo.

O oposto ao jus soli é o "jus sanguinis", que significa "direito de sangue". Neste caso, a nacionalidade é atribuída com base na ascendência da pessoa, ou seja, na nacionalidade dos seus pais. Isso é muito comum em países antigos, que tiveram grandes emigrações, como os países europeus e o Japão.

Esses conceitos são para a nacionalidade originária, termos que no Brasil conhecemos como "brasileiro nato", aquele que nasceu aqui e tem todos os direitos, inclusive ser eleito para presidente, por exemplo. Um cidadão naturalizado, que tem uma cidadania atribuída, tem amplos direitos também, mas não pode concorrer a alguns cargos públicos (como presidente) ou ter algumas funções militares, por exemplo, por não ser um cidadão "nato", uma vez que conseguiu a cidadania por morar no país por um tempo determinado ou por ser cônjuge de um nacional daquele pais.

Ainda tem um terceiro tipo, como é o caso de Israel. Lá tem uma lei chamada "Lei do Retorno", que diz que qualquer judeu na diáspora pode mudar para Israel. A Agência Hebraica faz todos os trâmites e, chegando lá, o indivíduo já recebe o registro civil israelense pronto! Lindo!

Bom, fui olhar meus casos.

A lei espanhola é a mais restritiva. Espanhol é quem é filho de espanhol. Para o neto de espanhol ter nacionalidade espanhola, ele tem que morar algum tempo na Espanha. Impraticável para meu pai... O bisa era de Barcelona, pelo que contaram. Entretanto, a Espanha é um país profundamente antissemita. Não tenho interesse, obrigado.

A Itália é um caso à parte. Até 1947, as mulheres na Itália não passavam a nacionalidade para seus filhos, apenas os homens. Somente após 1948 é que os filhos de uma italiana passaram a ter direito a receber a cidadania italiana pela via materna. Entretanto, todo mundo com linhagem materna entra e consegue a cidadania, porém é um processo caro e mais lento, algo em torno de 2 anos.

Por ser uma alternativa, procurei documentos, certidões, passaportes, enfim, tudo que poderia me ajudar. Descobri que um trisavô veio da Itália e, minha bisavó, que sempre achei ser italiana (falavam que ela tinha nascido no navio), era nascida no Brasil (mas seus pais eram italianos).

(Taí o meu trisavô, Michele di Lorenzo, na lista dos imigrantes
que vieram no vapor Navarre, em 1882!)

Sabia que o Michele era da Basilicata, lá no sul da bota. E que a bisa era lá do norte, da Lombardia. Basicamente era família Leo que veio da Lombardia e famílias Lorenzo e Mileo que vieram da Basilicata.



(Familia Leo até que tem bastante na Lombardia)

(Família Mileo é mais comum na Campania e Basalicata)

(Familia Lorenzo tem bastante na Basilicata, mas é mais comum na Puglia)

Esses mapas são da distribuição atual de sobrenomes na Itália, não na época que vieram.

Sobre a bisa da Lombardia, não achei nada. Mas do trisavô da Basilicata, achei tudo! Só não achei a certidão de nascimento da filha dele, minha bisa. Ela nasceu no Brasil, eu tinha certeza. Tenho cópia da certidão de casamento e óbito dela, além do título de eleitor dela. Resolvi isso pedindo ajuda pra um advogado (vou falar mais pra frente).

Essa bisa, filha do Italiano, casou-se com um português. Sabia que ele era de Braga, norte de Portugal, mas não exatamente qual concelho. Assim, peguei as informações que eu tinha (nome completo, nome dos pais dele, data de nascimento - que estava errada), mandei um email para o Arquivo Distrital de Braga (onde estão as certidões de nascimento e batismo lá da região de Braga) e pedi o assento de nascimento dele. Fui muito bem tratado e o sujeito informou que a data de nascimento estava errada mas ele encontrou o documento. Custou 5 euros a pesquisa e 20 euros pra mandar uma cópia pra mim



O problema é que em Portugal, na época, tinha um lei de nacionalidade bem restritiva. Só era português quem era filho de português nascido em Portugal ou nascido no estrangeiro se os pais estivessem a serviço de Portugal.

Essa lei foi alterada em 2006, se não me engano, permitindo que o neto (situação do meu pai) fosse naturalizado português se comprovasse contato com a comunidade portuguesa. O problema é que ele só passaria a cidadania para os filhos menores de 18 anos, o que não resolveria nem para mim nem para minha irmã, já que nessa época tínhamos mais de 30 anos :(

Assim, fui deixando de lado tudo isso. Até que em 2015 a lei portuguesa foi alterada novamente. O neto passou a ter direito a cidadania originária, ou seja, cidadão "nato". E assim passaria a cidadania para os filhos mesmo que maiores de idade! A lei original está aqui, a alteração de 2006 está aqui e essa alteração de 2015 está aqui.

Meu pai passou a ter direito à cidadania portuguesa por causa da alínea "d" do artigo 1o da lei 37/81 alterada em 2015:


E eu e minha irmã adquirimos nosso direito pela alínea "c" da mesma lei, mas com a alteração em 2006.


A lógica jurídica é a seguinte: pela lei de 2015, meu pai passou a ter direito a cidadania portuguesa originária por ser neto de português. E eu e minha irmã, pela lei de 2006, passamos a ter direito por sermos filhos de português nascido no exterior.

Então, precisava comprovar todos esses vínculos aí: o português era português (assento de nascimento em Portugal), que ele era o pai da minha avó, a filha do português (certidão de casamento dele e certidão de nascimento dela) e que ela era a mãe do meu pai, o neto do português (certidão de nascimento dele e de casamento dela).

Primeiro perrengue: não encontrei a certidão da minha bisa, filha do Michele, casada com o português. Não precisaria dela para entrar com o pedido em Portugal, mas se quisesse entrar com o processo na Itália, precisaria. Então pedi na justiça a emissão de uma certidão de nascimento para ela porque não tinha encontrado a dela em lugar nenhum.

Segundo perrengue: quando a minha avó, filha do português, se casou, o tabelião escreveu o nome dela errado. Era pra "Thereza de Lorenzo Oliveira", nome na certidão de nascimento dela, ter virado "Thereza de Lorenzo Oliveira Castilho" após o casamento. Mas virou "Teresinha de Oliveira Castilho". É outra pessoa! Então pedi a retificação do nome dela nas certidões de casamento e de óbito dela.

Terceiro perrengue: como mudei o nome da minha vó, a mãe do meu pai (Teresinha de Oliveira Castilho) passou a ser outra (Thereza de Lorenzo Oliveira Castilho). Então tive que entrar na justiça para retificar o registro de nascimento e de casamento do meu pai. Meus primos, filhos dos irmãos do meu pai, também tiveram que fazer os mesmos pedidos.

Quarto perrengue: como mudou o nome da minha vó, tive que pedir a retificação do meu registro civil de nascimento e casamento, além do da minha irmã.

Quinto perrengue: documentos novos para todo mundo. Carteiras de identidade, certidões de nascimento, casamento e óbito.

Então consegui arruma tudo. Quase 10 anos arrumando documentos, mudando nomes, emitindo certidões, pedidos judiciais, etc!

Contratar advogado em Lambari mais custas judiciais, emissão e envio de certidões em Lambari para BH, mais certidões após a correção em Lambari, Varginha e BH, mais escritório em Portugal para entrar com as documentações do meu pai e depois para mim e minha irmã... Isso não ficou por menos de R$ 30.000! 
Só que a família toda vai ter seu plano B agora! Ou plano A, vai saber...


Tem até o plano C, caso a gente queira entrar com a documentação na Itália também. Tá tudo pronto, só atualizar as certidões e pagar advogado para entrar lá.

Último perrengue: a gente acha que é só receber o vermelhinho aí de cima, né? Depois de me registrar no Consulado Português, recebei uma cartinha lá de Portugal:


A conta chegou. Em euros! 😅

Bom, esse post foi pra contar essa novidade aqui.

Até o próximo post!

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